O Sabor da Guerra: memórias de José Hamilton Ribeiro

Bruno Santos/Folhapress

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“Guerra é ruim, mas sem jornalistas é pior” — essa frase é do renomado e premiado jornalista José Hamilton Ribeiro, que em março de 1968 cobriu a Guerra do Vietnã para a revista Realidade. Durante a cobertura, ao pisar em uma mina terrestre, perdeu parte da perna esquerda. Apesar da grave lesão, mantém a convicção de que o trabalho dos jornalistas em zonas de conflito é fundamental. “Se há uma guerra que não pode ser evitada, é preferível que haja um jornalista presente”, afirma.

Para ele, o jornalista na guerra exerce uma função modesta, mas essencial: “É uma forma humilde de colocar a bola no chão e preservar o bom senso. Evitar aquela cabeça do pessoal guerreiro, que fazia a guerra por prazer, por sentir gosto pela violência.” Segundo José Hamilton, as testemunhas e profissionais que cobriram os conflitos oferecem relatos muito diferentes do espírito agressivo de algumas mentes

“diabólicas”, como ele mesmo definiu em entrevista à Agência Brasil e à TV Brasil.
Após anos à frente do Globo Rural, José Hamilton vive hoje recluso no interior de Minas Gerais. Recentemente, visitou o Museu da Imagem e do Som (MIS), em São Paulo, para celebrar a inauguração da exposição “O Gosto da Guerra”, que reúne imagens produzidas por jornalistas e fotógrafos em áreas de conflito, além de apresentar o livro homônimo, que relata sua experiência no Vietnã. No livro, ele descreve o que sentiu logo após a explosão da mina: “Sentia na boca um gosto ruim, como se tivesse engolido um punhado de terra, pólvora e sangue. Hoje sei que era o gosto da guerra.”

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Ele recorda o momento: “Quando recuperei a consciência, estava em uma realidade que eu não dominava. Não sabia o que havia acontecido direito. Senti uma sensação estranha na testa; ao tocar, senti algo molhado: era sangue. Pensei: ‘Estou morrendo’. Foi uma sensação de insegurança, de que ia morrer.”
O curativo feito pelo enfermeiro revelou que o ferimento na cabeça era pequeno. “Foi mais o barulho da explosão e a insegurança que ela trouxe. Eu estava sentado no chão, confuso, sem entender o que tinha acontecido.” Demorou um tempo até que alguém o ajudasse a compreender a situação.

A exposição também destaca o trabalho de outros cinco correspondentes de guerra do século 20, que cobriram conflitos na Ucrânia, Moçambique, Iraque, El Salvador e outros locais. São fotografias de André Liohn, Hélio de Campos Mello, Juca Martins, Leno Silva e Yan Boechat, que ilustram os custos humanos dos conflitos.

“Essa mostra é uma celebração do livro O Gosto da Guerra, escrito por meu pai em 1969, antes do meu nascimento. Ele está sendo reeditado agora pela Companhia das Letras, dentro da coleção Jornalismo Literário. O livro não tem muitas fotos, mas a reportagem ficou marcada por uma imagem triste: a dele ferido no Vietnã. Para complementar a exposição, chamamos outros cinco fotógrafos brasileiros que cobriram conflitos na segunda metade do século 20. Há até uma imagem do século 21, da guerra que acontece atualmente na Ucrânia”, explicou a curadora.

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Tetê, filha de José Hamilton, responsável pela curadoria da exposição e pela reedição do livro, revela que só agora conseguiu compreender a dimensão do sofrimento enfrentado pelo pai. “Eu conhecia a história da dor da minha mãe, pelo que ela viveu enquanto ele estava na guerra, mas o sofrimento do meu pai, o quanto ele achou que ia morrer, só entendi nessa reedição do livro. Foi chocante.”

Ela reflete ainda: “Ninguém pensa que pai e mãe possam morrer ou sofrer antes do seu nascimento. Você nem imagina que eles existiram antes de você. Agora que sou adulta, tenho uma filha, e meu pai está mais velho. Esse sofrimento me causou um choque e uma dor profunda. Adorei a experiência de revisitar essa história, mas não há nada de bom nela — foi um acidente terrível.”
Tetê conclui: “Se há algo positivo em toda essa pesquisa, é que ele está vivo, que estamos vivos, e que seguiremos lutando.”

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