Na capital, a Aliança com as Quatro Patas é uma das que mais atua e luta para conscientizar as pessoas diariamente
A proteção dos animais é uma causa crescente em Cuiabá, mas, apesar dos esforços, ainda não há uma solução definitiva para combater a violência contra os animais e os constantes abandonos na cidade. Com isso, o número de animais em situação de rua continua a crescer, refletindo a falta de políticas públicas eficazes para tratar da questão. A cidade carece de um trabalho mais ativo das prefeituras, especialmente voltado para o resgate de animais e a conscientização da população sobre o cuidado com seus animais de estimação.
Em Cuiabá, várias organizações não governamentais têm se dedicado a esse trabalho. Entre elas, destaca-se a ONG Aliança com as Quatro Patas, localizada no bairro Nossa Senhora, que realiza o resgate e cuidado de animais que vivem em situação de rua ou sofreram maus-tratos. A fundadora da ONG, Sandra Barbosa, de 40 anos, administradora de empresas e ativista pela causa animal, lidera esse trabalho há quatro anos. Atualmente, a ONG cuida de mais de 70 animais, sendo resgatados de diversas situações, como maus-tratos, abandono ou atropelamentos nas ruas da cidade.
Devido à crescente demanda, Sandra e sua equipe, composta por duas colaboradoras, alugaram um espaço para abrigar os animais resgatados. Sandra explica que, com o aumento do número de cães abandonados a cada ano, tornou-se essencial ter um local adequado para abrigá-los e oferecer-lhes os cuidados necessários até que possam ser adotados. A equipe se dedica diariamente ao cuidado e à organização do local, garantindo que os animais recebam o carinho e atenção que precisam.
Sandra reforça que a situação é crítica e que, para que a causa animal seja efetivamente combatida, é essencial a união da população, do poder público e das organizações em busca de soluções para a crescente demanda de animais em situação de rua. Ela destaca que, embora a ONG enfrente diversos desafios, o maior deles é conseguir abrigar os animais resgatados. Com o aumento contínuo do número de cães abandonados na cidade, a Aliança com as Quatro Patas já enfrenta dificuldades para acolher novos animais, o que torna o trabalho ainda mais urgente.
“Esse é um dos maiores desafios que enfrentamos, pois a demanda por resgates de animais abandonados e maltratados em Cuiabá só aumenta. Infelizmente, não temos mais condições de abrigar novos animais no espaço atual e, por isso, estamos tendo que recusar novos resgates. Não queremos colocar em risco a vida dos animais que já estão conosco, evitando superlotar as baias e causar brigas entre eles. Assim, nosso maior desafio no momento é encontrar um local adequado”, pontua Sandra.
Entretanto, além desses crescimentos, Sandra reforça que não conta com o apoio necessário do poder público. Para ela, a falta de assistência dificulta a continuidade de seu trabalho com as ONGs, já que todos os custos relacionados aos animais são arcados por ela mesma, com recursos do próprio bolso.
“Não recebemos nenhum recurso do poder público. Todo o financiamento necessário para manter o abrigo vem de nós mesmos, voluntários, com algumas ajudas que conseguimos pelas redes sociais. Embora existam políticas públicas para a causa animal, elas não são executadas com eficiência. Assim, o trabalho de resgate, alimentação, vacinação e castração dos animais é realizado, em grande parte, a nossa custa, sem qualquer verba pública”, reforça Sandra.
Porém, Sandra aponta que, embora exista um trabalho da Prefeitura de Cuiabá voltado para os cuidados com os animais, por meio do programa Bem-Estar Animal, esse esforço não é suficiente para atender à demanda da capital. Segundo Sandra, o programa não cobre todas as necessidades, como vacinas, cadastro e, principalmente, o atendimento a animais com doenças graves, como cinomose e leishmaniose. Diante disso, ela considera que o trabalho da prefeitura não é eficaz no atendimento à sociedade em relação aos cuidados com os animais. Apesar disso, Sandra acredita que Cuiabá precisa de um hospital público veterinário, que possa oferecer um cuidado mais amplo aos animais que sofrem de doenças graves, além de atender à população que necessita desses serviços para cuidar de seus animais de estimação. Muitas vezes, essas pessoas não têm condições de levar seus pets a uma clínica veterinária particular, cujos custos são altos e, para muitas famílias, inviáveis devido à renda limitada.
Portanto, hoje a ONG funciona apenas com o apoio de Sandra, que está nessa luta sozinha. O custo para manter a ONG é muito alto, pois inclui despesas com aluguel, salários dos funcionários, água, luz, além das rações para os cães, medicamentos, vacinas, entre outros. O total de custos mensais que Sandra precisa arcar gira em torno de 30 mil reais para garantir o funcionamento da ONG.
“A alimentação é essencial, pois, sem ela, os animais não sobrevivem. Além disso, a medicação para tratar um animal é muito cara, muitas vezes mais cara do que a medicação para humanos. Acabamos acumulando dívidas, pois, além de pagar pelas clínicas, temos os custos de alimentação e tratamento no abrigo, como vacinação e medicamentos, que têm um custo muito elevado. Imagine o gasto para alimentar 70 animais: todos os dias usamos cerca de 20 kg de ração”, aponta Sandra.
Apesar dos elevados custos para manter esse trabalho e das dificuldades encontradas ao longo do caminho, Sandra afirma que o que a motiva a continuar é o prazer de fazer o bem aos animais. Ela destaca que coloca sempre um toque especial em tudo o que faz, o que a mantém firme em seu propósito de, a cada dia, fazer o seu melhor para salvar vidas animais.
“É amor, puro amor. Se não fosse por amor, posso garantir que muitos desses animais já teriam morrido. Se pensássemos apenas nos recursos e nos gastos, não faríamos resgates. Mas, ao pensar no amor que sentimos por eles, seguimos resgatando e sacrificando várias coisas em nossa vida para poder salvá-los e garantir um bem-estar maior para eles aqui no abrigo”, pontua Sandra.
O trabalho exige dedicação, amor e, principalmente, apoio. No entanto, uma das principais dificuldades enfrentadas pela ONG é a escassez de voluntários. Sandra explica que, apesar dos constantes apelos, conseguir pessoas dispostas a ajudar na rotina da ONG é um grande desafio. Além disso, é difícil encontrar profissionais da área dispostos a realizar algum trabalho ou ação de forma voluntária, já que, atualmente, quase tudo tem custo.
“Olha, é muito difícil. A maioria das vezes, quando alguém vem, temos que pagar a diária do médico para ele vir atender, porque nunca vem um médico voluntário para nos ajudar. Deveria ter, porque essa é uma causa que precisa muito de apoio. Eu vejo que, se não tivermos ajuda, vamos ficar sem condições de continuar. Estamos literalmente ‘morrendo na praia’, porque a demanda só cresce e nada está sendo feito”, explica.
Dentre os diversos desafios enfrentados pela ONG, um dos principais é conseguir adoção para os animais que fazem parte do abrigo. Atualmente, muitas pessoas têm pouco interesse em adotar cães vira-latas, preferindo adotar animais de raça. Sandra destaca que, apesar de já ter realizado várias feiras de adoção na tentativa de encontrar famílias para os animais, frequentemente não consegue que alguém se interesse pelos cães do abrigo, justamente por serem vira-latas. No entanto, ela observa que, em alguns casos, a ONG consegue doar filhotes, que costumam ser mais procurados devido à sua idade. Sandra reforça que a dificuldade de adoção para cães não pedigree é um obstáculo constante para o trabalho da ONG, que luta para dar um lar a esses animais.
Por outro lado, no Brasil, há a campanha Abril Laranja, que visa conscientizar sobre a proteção animal e incentivar o cuidado adequado com os animais, além de denunciar maus-tratos. A iniciativa foi criada pela Sociedade Americana para a Prevenção da Crueldade a Animais (ASPCA) e se espalhou pelo Brasil. Em 2022, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 1070/22, que institui a Política de Proteção e Bem-Estar dos Animais Domésticos. A lei obriga os proprietários de animais a garantir o bem-estar físico e mental dos seus bichos de estimação, incluindo cuidados com nutrição, higiene, saúde e acomodação. Além disso, a pena para quem maltratar cães e gatos foi aumentada, estabelecendo de 2 a 5 anos de reclusão, multa e proibição da guarda. O projeto foi sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro na época.
Entretanto, Sandra, protetora de animais, aponta que, em Cuiabá, essa campanha não está recebendo a divulgação necessária para mobilizar a população e auxiliar as ONGs de maneira eficaz. Além disso, ela critica a execução da Lei de Proteção Animal na capital, ressaltando que, apesar dos esforços, a legislação não está sendo aplicada corretamente. Sandra relata diversos casos de maus-tratos na cidade, nos quais os responsáveis não estão sendo punidos conforme a lei determina.
“Essa lei aqui em Cuiabá não está sendo executada. A gente consegue registrar vídeos, fotos, levar a polícia até a casa da pessoa que cometeu o crime, mas a pessoa chega na delegacia e, pela mesma porta que entra, sai. Nunca conseguimos fazer com que alguém que tenha cometido maus-tratos contra um animal — seja gato, cachorro ou papagaio — ficasse preso aqui em Cuiabá. Nunca aconteceu, nunca houve um caso em que uma pessoa foi presa por esse tipo de crime. Isso é algo que insistimos, porque se há uma lei, ela precisa ser executada. Tenho o caso de um senhor que deu uma machadada na cabeça de um gato, que morreu. Tudo foi registrado pelas câmeras de segurança, mas ele não foi preso. Esse é um dos nossos maiores descontentamentos, porque lutamos, mas quando chegamos na hora de cobrar, o criminoso não recebe a pena que deveria, que é de dois a cinco anos”, ressalta Sandra.
Na Câmara de Vereadores, há um representante que se propôs a ser o padrinho da causa animal. No entanto, Sandra destaca que, até o momento, não observou ações eficazes ou significativas por parte do vereador em defesa dos animais. Ela menciona que, inclusive, houve protestos de ONGs pedindo sua remoção do cargo de “defensor dos animais”, devido à falta de resultados concretos em suas ações. Embora não tenha uma representação eficaz no órgão público, Sandra acredita que a nova gestão da Prefeitura, sob a liderança de Abílio Brunini, que assumirá em 2025, trará políticas públicas mais robustas para a causa animal. Ela espera que, com a colaboração entre as ONGs e o poder público, seja possível atender de forma mais eficaz à demanda e os cuidados necessários para os animais em situação de rua em Cuiabá.
Apesar de sua frustração com a falta de efetiva representatividade na Câmara, Sandra enfatiza que já realizou outros resgates de felinos, como gatos, porém, não pode abrigá-los em sua ONG devido à falta de recursos e espaço adequado. Ela lamenta a limitação de sua estrutura, mas segue otimista, com a esperança de que, no futuro, consiga adquirir um espaço próprio. Esse novo local permitiria expandir o trabalho da ONG, oferecendo abrigo e cuidados não apenas para cães, mas também para mais felinos, ampliando a capacidade de atendimento e resgate. Sandra reafirma que, mesmo com as dificuldades financeiras e estruturais, seu compromisso com a causa animal continua inabalável.
“Não porque eu não tive estrutura para fazer um gatil aqui. Para falar a verdade, eu já resgatei vários gatos, mas sempre deixo em outra ONG que tem gatil. Ainda não consegui montar o meu, mas, se Deus quiser, vamos sair daqui e montar uma ONG maior. Vamos conseguir fazer um gatil. Sim, a ideia é ter uma ONG maior para abrigar mais animais. Vai ser um pouco afastado da cidade, porque, em área residencial, não pode ter abrigo de animais, já que acaba incomodando os vizinhos, conforme a prefeitura”, pontua Sandra.
Entretanto, Sandra deixa uma mensagem de conscientização para as pessoas sobre a importância de cuidar dos animais, destacando que essa responsabilidade não deve recair apenas sobre as ONGs, mas também sobre o poder público. Ela defende que é essencial a criação de políticas públicas eficazes voltadas para a causa animal, com foco em ações contínuas e estruturadas. Além disso, Sandra enfatiza a necessidade de apoio às ONGs para que elas possam dar continuidade ao seu trabalho de forma eficiente, garantindo cuidados adequados aos animais em situação de rua. Ela acredita que a união da sociedade, das autoridades e das organizações é fundamental para transformar a realidade dos animais na cidade e proporcionar um futuro melhor para eles.
“Então, gente, eu venho aqui hoje para pedir ao poder público, às pessoas e à população de Cuiabá que tenham um olhar melhor e com mais amor para a causa animal, para esses animais que estão na rua. Eles não estão ali porque querem; estão ali porque alguém os abandonou. E pode ter certeza de que eles estão sofrendo, passando fome, sede, frio e dor. Então, vamos dar um olhar melhor para esses animais, com paixão e empatia, e tratá-los também com amor. Eles merecem, porque é só isso que eles sabem nos dar: amor, carinho, parceria. Sempre que chego em casa, sei a alegria que eles sentem. Então, posso te dizer com toda a certeza que os animais só têm amor para nos dar. Vamos retribuir esse amor para eles”, finaliza.