No dia 29 de outubro, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) convocou pesquisadores a Brasília para apresentar estudos sobre a viabilidade ambiental e econômica da rodovia BR-319. O encontro também teve como objetivo discutir estratégias para mitigar os impactos da obra, que conecta Porto Velho, em Rondônia, situado no “arco do desmatamento”, a Manaus, no Amazonas, atravessando uma das regiões mais preservadas da Amazônia.
A reunião buscou promover o diálogo e a troca de informações sobre os impactos sinérgicos da ampliação da infraestrutura de transportes na Amazônia, como a rodovia BR-319 e a Ferrogrão, que conecta Sinop, no Mato Grosso, ao porto de Miritituba, no Pará, destacando as implicações para o desmatamento. O encontro também teve como objetivo conhecer as iniciativas da sociedade e da academia na análise e modelagem desses impactos, além de reunir dados essenciais para uma avaliação ambiental estratégica no ‘trecho do meio’ da BR-319 e para uma possível revisão do EVTEA da Ferrogrão, estabelecendo assim parâmetros para uma governança ambiental territorial sustentável.
Foram convocados os pesquisadores Gilberto Câmara, da FGV; Juliano Assunção, autor do estudo “The Environmental Impacts of the Ferrogrão Railroad: An Ex-Ante Evaluation of Deforestation Risks”; Britaldo Soares Filho, da UFMG; e eu, Lucas Ferrante, pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal do Amazonas (UFAM).
Na reunião, o pesquisador da FGV, Gilberto Câmara, arguiu sobre a importância da pesquisa em SIG e o papel dos modelos de mudança de uso e cobertura da terra para o planejamento de políticas públicas relacionadas à BR-319. Os resultados apresentados indicam que, mesmo sem pavimentação, apenas a manutenção da estrada tem impulsionado o aumento do desmatamento na região, e, caso a rodovia seja pavimentada, é esperado um aumento massivo do desmatamento.
O pesquisador Britaldo Soares Filho, da UFMG, apresentou uma modelagem que integra variáveis como a matriz origem-destino para exportações, aspectos do meio físico, infraestrutura, dinâmica demográfica, ordenamento territorial e governança ambiental. A análise revelou que a pavimentação da BR-319 causará desmatamento massivo, afetando áreas críticas para os “rios voadores” — fluxos de umidade que sustentam a precipitação em grande parte do Brasil. Além disso, sob a perspectiva econômica, o estudo apresentado demonstrou que o projeto não demonstra viabilidade para o transporte de commodities, como a soja, e a pavimentação da rodovia pode provocar uma migração massiva de pessoas para a região, ampliando os impactos ambientais que poderão se espalhar para outras áreas da Amazônia, como a rodovia BR-174, que conecta Manaus, a capital do Amazonas, a Boa Vista, no estado de Roraima.
A apresentação final, conduzida por mim, foi baseada em 13 artigos científicos revisados por pares e publicados em periódicos especializados, complementada por dados de um projeto financiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam) e um segundo projeto financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), além da apresentação de dados de um estudo realizado em parceria com o Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam) do Ministério da Defesa.
As conclusões principais evidenciaram a cumplicidade de órgãos de fiscalização com o desmatamento ilegal e a grilagem de terras, destacando uma preocupante ausência de governança na região. Desde a concessão da licença de manutenção em 2015, o aumento da grilagem e do desmatamento tem sido notável. Dados apresentados também apontaram o avanço do crime organizado vinculado a práticas ilegais de desmatamento, grilagem e garimpo. O estudo realizado em parceria com o CENSIPAM concluiu que, caso a rodovia BR-319 seja pavimentada, não haverá contingente suficiente da Polícia Federal e do IBAMA para fiscalizar a região, aumentando o risco de a área cair sob o controle do crime organizado.
Resultados dos projetos que foram apresentados revelaram uma perda catastrófica de espécies da fauna local e impactos devastadores nos ecossistemas aquáticos, resultantes das intervenções do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) na rodovia. Os dados apresentados também apontaram fraude nos estudos ambientais que respaldaram a licença de pavimentação concedida em 2022 pelo IBAMA e mantida pelo desembargador federal Flávio Jardim em outubro deste ano. Também foram apresentados dados de como a degradação ambiental, o aumento do desmatamento e a intensificação da trafegabilidade têm contribuído para o crescimento de endemias e doenças de relevância médica e aumento dos riscos de uma nova pandemia. Dados de monitoramento hidrológico e previsões climáticas também apresentados indicaram que a pavimentação da rodovia BR-319 poderia tornar a Amazônia Central inóspita para a vida humana, com temperaturas superiores a 45°C e umidade relativa do ar abaixo de 50%, resultando em uma sensação térmica extrema de até 71°C.
Após as apresentações, pesquisadores e técnicos do Ministério do Meio Ambiente e do IBAMA discutiram o tema e, em consenso, destacaram a inviabilidade da pavimentação da rodovia BR-319, ressaltando o risco significativo que o projeto representa para o país.
Nesta quarta-feira, 13 de novembro, o senador Eduardo Braga publicou no X, antigo Twitter: – “A BR-319 vai trazer mais integração, desenvolvimento e, acima de tudo, dignidade para o Amazonas”. No entanto, todos os dados indicam o contrário: a BR-319 não trará esses benefícios, mas sim o fortalecimento do crime organizado, degradação ambiental, aumento do desmatamento e até o risco de colapso dos estados da região Amazônica, incluindo o Amazonas.
O alerta de risco se estende também às regiões Sul e Sudeste do Brasil. As análises indicam que cerca de 70% das chuvas nessas áreas são geradas pela evapotranspiração da floresta situada entre os rios Purus e Madeira, cortada pela rodovia BR-319. Com o colapso dessa região, espera-se um impacto devastador sobre a agricultura, a indústria e o abastecimento de água, resultando na perda das chuvas que sustentam essas atividades. As consequências econômicas podem ultrapassar R$ 3 trilhões por ano, gerando prejuízos significativos ao país.
Em resposta à situação, foi solicitada uma nova reunião com o IBAMA para revisar não apenas a licença de pavimentação, mas também a licença de manutenção da rodovia BR-319. O procurador do Ministério Público Federal, Rafael Rocha, foi incluído no requerimento para acompanhar e assegurar o cumprimento da legislação, tendo já sugerido uma data para o encontro com a equipe de licenciamento do IBAMA no início do próximo mês.
Por: Cenarium Foto: Dnit