Assumindo o bolsonarismo

A avenida Paulista que foi palco neste domingo de mais um ato bolsonarista, desta vez marcado pela defesa da anistia ampla aos envolvidos nos ataques de 8 de janeiro de 2023, viu o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), assumir o protagonismo do movimento político que elegeu Jair Messias Bolsonaro, em 2018, e quase vencer a eleição em 2022 contra o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Com a atitude de se radicalizar e elevar o tom contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, e demais ministros, o governador paulista pega o bastão, que até então estava com o ex-presidente, prestes a ser julgado e condenado, e nesta segunda-feira, 8 de setembro, pediu para ser internado devido a uma piora do seu estado de saúde.
Resposta do decano

O decano do STF, ministro Gilmar Mendes, respondeu ao discurso de Tarcísio de Freitas com uma publicação nas redes digitais e afirmou que “crimes contra o Estado Democrático de Direito são insuscetíveis de perdão”. Segundo o ministro, “não há no Brasil ‘ditadura da toga’, tampouco ministros agindo como tiranos” e que “o STF tem cumprido seu papel de guardião da Constituição e do Estado de Direito, impedindo retrocessos e preservando as garantias fundamentais”. A declaração de Gilmar, afirmam interlocutores do ministro, interpreta que a fala radicalizada do governador paulista seria uma tentativa de intimidação contra a Suprema Corte e uma aposta na polarização do bolsonarismo com o STF, visto que o projeto que se pretende aprovar concedendo anistia aos condenados do 8 de janeiro será judicializado, se aprovado.
Michelle presidenciável

Por outro lado, uma fonte junto à cúpula do PL informou à reportagem desta coluna, que – apesar do discurso radical assumido por Tarcísio de Freitas em defesa da anistia indo para cima dos ministros do STF – o protagonismo do ato bolsonarista na Avenida Paulista coube a ex-primeira-dama, Michelle Bolsonaro. Segundo esta fonte, a fala de Michelle – a última a falar – foi providencial. Nos bastidores, dizem que um acordo entre Valdemar da Costa Neto, presidente nacional do PL, com o pastor Silas Malafaia da Igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo, que vem pagando as despesas das manifestações bolsonaristas, e concordância do ex-presidente Jair Messias, atesta que Michelle será a candidata do bolsonarismo em 2026. A radicalização de Tarcísio teria como objetivo esvaziar a primeira-dama e atrair para si os apoiadores do ex-presidente.
Anistia

Apropriado pela direita, o lema da anistia é historicamente ligado à esquerda e à volta de presos e exilados políticos da ditadura. O termo, que em 1979 simbolizou a luta pela democracia, hoje é usado como bandeira de quem enfrenta no STF um julgamento por tentativa de golpe de Estado na data de 8 de janeiro de 2023. A proposta da anistia em discussão no Congresso Nacional pretende retroagir até o ano de 2019, data de abertura do inquérito das “fake news” pelo STF. Para o conselheiro da Comissão de Anistia no Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, Marcelo Uchôa, “o mesmo grupo que saiu impune da anistia em 1979 é o que tentou o golpe em 8 de janeiro”, e “em vez de chamar de ‘PL da Anistia’, melhor dizer ‘PL da Impunidade’”. Segundo Uchoa, anistiar seria conceder um privilégio para “aqueles que tentaram golpear o Estado” e que queriam “romper a estabilidade institucional e aplicar uma ditadura no país”.
Em nome da soberania

Enquanto militantes bolsonaristas estendiam uma enorme bandeira dos Estados Unidos da América (EUA) no ato bolsonarista da Avenida Paulista, no Dia da Independência do Brasil, o presidente Lula em pronunciamento à rede nacional de rádio e televisão assumia, mais uma vez, a defesa da soberania nacional num momento em que o governo norte-americano de Donald Trump impõe tarifas de 50% às exportações brasileiras, com exceção de quase 700 produtos. Lula rejeitou a tentativa dos EUA de interferir contra decisões tomadas pelo STF, seja no caso do ex-presidente, ou do caso que desagradou as empresas de plataforma cibernética, destacando o papel do multilateralismo. Sem citar nomes, chamou de “traidores da pátria” políticos que incentivam sanções externas contra o Brasil, em referência indireta ao deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que residente nos EUA desde março.
Bandeira dos EUA

Os líderes do PSB e do PT, deputados Pedro Campos (PE) Lindbergh Farias (RJ), protocolaram na noite desta segunda-feira, 8 de setembro, uma notícia-de-fato junto à Polícia Federal para que aberto um inquérito com objetivo de investigar a utilização de uma bandeira norte-americana de “dimensões monumentais em manifestação política na Avenida Paulista, no último 7 de setembro”. Segundo os dois parlamentares, há fortes indícios de que a mesma bandeira foi utilizada dois dias antes, na data de 5 de setembro, durante um evento organizado pela Liga de Futebol estadunidense (NFL, na sigla em inglês) no estádio do Corinthians, Neo Química Arena, em São Paulo. Segundo eles, a coincidência temporal, a similaridade das proporções e tonalidades, além da complexidade logística de transporte do artefato reforçam a suspeita de reutilização.
Incitação antidemocrática

O deputado federal Rui Falcão (PT/SP) protocolou na noite desta segunda-feira, 8 de setembro, no STF, representação contra o governador Tarcísio de Freitas, em razão de declarações proferidas no dia 7 de setembro, durante manifestação na Avenida Paulista. Na peça, o parlamentar aponta que Tarcísio “ultrapassou os limites da crítica política” ao atacar diretamente o ministro Alexandre de Moraes, relator da ação penal sobre a trama golpista de 8 de janeiro de 2023, em que o governador afirmou que “não vamos mais aceitar que nenhum ditador diga o que a gente tem que fazer” – além de acusar Moraes de “tirania”, em “clara incitação à desobediência” das decisões da Suprema Corte, entende o petista paulista.
Guerra tarifária

Em meio a polarização política, uma comitiva de 130 empresários liderados pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), que esteve na capital estadunidense na semana passada buscando reverter às tarifas de 50% impostas pelo governo dos EUA às exportações brasileiras, acreditam que após encontros com parlamentares, integrantes do governo norte-americano e empresários daquele país, ajudará na negociação para reverter as taxas. Auxiliados pelo ex-presidente da Organização Mundial de Comércio (OMC), embaixador Roberto Azevêdo, consultor da CNI, a comitiva mostrou que o Brasil não adotou ações injustificáveis e que tenham onerado ou restringido o comércio dos EUA. Nos bastidores, empresários estadunidenses e integrantes do governo Trump afirmaram que as razões das tarifas são “políticas” e não econômicas.
Guerra tarifária 2

Para o governo Lula, dizem fontes do Palácio do Planalto à reportagem da coluna, que “está claro” que há pouco o que fazer com base no diálogo em relação às tarifas, sobretudo no momento em que o STF encaminhará uma condenação ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que pode chegar até em 42 anos de detenção. Neste sentido, a avaliação das fontes palacianas é que, dado que a balança comercial é favorável aos EUA, o governo brasileiro só pode enfrentar a situação no campo político. Assim, ao autorizar o uso de medidas de reciprocidade, a resposta que o Itamaraty oferecerá aos EUA é mostrar que o Brasil não possui dependência e que o melhor é promover negociação. O trunfo do Ministério das Relações Exteriores (MRE) é apontar para o governo de Trump, que a reciprocidade adotada pelo país pode atingir o que mais preocupa o governo daquele país como a quebra de patentes e de propriedades intelectual.
Guerra tarifária 3

Uma outra alternativa do governo brasileiro para enfrentar a guerra tarifária imposta pelos EUA está na ênfase que o governo brasileiro quer dar à cooperação, nas parcerias, na complementaridade econômica e na crença do multilateralismo como resposta às diferenças entre nações. Desta forma, Lula enfatizou nesta segunda-feira, 8 de setembro, esses preceitos durante a reunião virtual dos líderes do BRICS, que durou uma hora e meia, e reuniu os mandatários da África do Sul, China, Arábia Saudita, Egito, Etiópia, Emirados Árabes Unidos, Índia, Indonésia, Irã, e Rússia. Na reunião, o presidente da China, Xi Jinping, também apontou a necessidade de avançar rumo a uma ordem internacional mais justa, equilibrada e inclusiva. “Neste momento crítico, os países do BRICS, que estão na vanguarda do Sul Global, devem agir com base no Espírito do BRICS de abertura, inclusão e cooperação vantajosa para todos, defender conjuntamente o multilateralismo e o sistema multilateral de comércio”, disse.