Para o ex-procurador-geral da República entre 2009 e 2013, a adoção na prática do “parlamentarismo orçamentário” nomenclatura criada por alguns cientistas políticos, é inconcebível que os “recursos” do OGU “não são aplicados a partir de critérios adequados”.
Por Humberto Azevedo
O ex-procurador-geral da República (PGR) entre os anos de 2009 e 2013, Roberto Gurgel, afirmou com exclusividade para a reportagem do Grupo RDM, que “hoje, o que houve foi um crescimento, a meu ver, desproporcional da participação do Legislativo no processo orçamentário”. A declaração aconteceu após ser perguntado como ele via o atual cenário conjuntural da política brasileira.
A entrevista do ex-procurador à reportagem do Grupo RDM foi concedida no último dia 29 de abril, na sede da PGR, em Brasília, durante a solenidade que empossou a nova diretoria da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR). Na oportunidade, Gurgel ressaltou que é inconcebível que os “recursos” do Orçamento Geral da União (OGU) “não são aplicados a partir de critérios adequados”.
Nascido em Fortaleza, no Ceará, em 1954, Gurgel se formou em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), tendo como a primeira oportunidade laboral um estágio na Procuradoria-Geral do estado do Rio de Janeiro (PG-RJ) nos anos 70. Antes de ingressar no Ministério Público Federal (MPF) em 1982, o cearense atuou ainda como advogado.
O ingresso na carreira de procurador aconteceu em fevereiro de 1988, antes da promulgação da atual Constituição federal. Na PGR, Gurgel exerceu os cargos de procurador de primeira categoria, procurador regional, procurador-chefe da PGR da primeira região, subprocurador-geral, vice-procurador-geral eleitoral, e vice-procurador-geral. Desde 2013, é aposentado.
Abaixo segue a íntegra da pequena entrevista que Roberto Gurgel concedeu com exclusividade à reportagem do Grupo RDM.
RDM: Procurador Roberto Gurgel, a importância dessa posse aqui, nesse momento, passados os fatos ocorridos em 8 de janeiro de 2023, esse momento de extrema polarização política, que a democracia não só no Brasil, mas no mundo está atravessando, e, inclusive, em risco. Qual é a importância do Ministério Público, das instituições para a manutenção da democracia?
Roberto Gurgel: Olha, eu acho que o Ministério Público, como outras instituições, tem uma importância decisiva. Aliás, a Constituição de 1988 conferiu ao Ministério Público a defesa do regime democrático e é preciso que essa defesa seja constante, seja permanente e seja, acima de tudo, resistente a todas as ameaças que, cada vez mais, surgem no caminho dessa democracia. A posse dessa nova diretoria mostra a continuidade do trabalho da Associação Nacional dos Procuradores da República e do Ministério Público Federal no cumprimento desse dever constitucional, em defender intransigentemente a democracia de todas as ameaças que possam surgir no seu caminho.
RDM: Nós estamos num momento posterior a eleição do ex-presidente Jair Bolsonaro em 2018, muito provocado pela cisão ocorrida nas jornadas de junho de 2013 e, sobretudo, pelo impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff em que foi substituído pelo seu vice, o ex-presidente Michel Temer (MDB), que rompeu com a aliança eleita e reeleita nas urnas em 2010 e 2014, e provocou a volta ao poder do presidente Lula em 2022. E, agora, com o empoderamento do parlamento que levou a criação na prática do parlamentarismo orçamentário e com a possibilidade do país adotar o semi-presidencialismo, que levaria o parlamento a ter um primeiro-ministro para governar junto com o presidente. Como o sr. vê essa conjuntura e esses debates?
Roberto Gurgel: Olha, eu acho que, enquanto nós tivermos, como temos hoje, o regime presidencial, ainda que mitigado de alguma forma, ainda que se chame de presidencialismo de coalizão, etc., em que não parece razoável que o Poder Executivo não detenha, digamos, os poderes de que necessita para executar os seus planos de governo. E, hoje, o que houve foi um crescimento, a meu ver, desproporcional da participação do Legislativo no processo orçamentário, em que ele detém, se não 50%, mais que 50% dos recursos efetivamente disponíveis. E o pior é que, muitas vezes, esses recursos não são aplicados a partir de programas, a partir de critérios adequados. E isso compromete muito o próprio desenvolvimento do país.
RDM: E como resolver essa questão? Como colocar “gênio” na garrafa de novo?
Roberto Gurgel: Não, na verdade, eu acho que é um trabalho extremamente complexo de diálogo permanente com o Congresso, no sentido de que não é razoável hoje que as emendas parlamentares consumam grande parte do orçamento da União.