Segundo entendimento da PF, o acionamento das equipes policiais era realizado por meio do grupo de WhatsApp intitulado “DOC/CPR’S”, sem a confecção de ordem de serviço para atuação contra os manifestantes que marchavam para a Esplanada dos Ministérios. “Neste mesmo grupo, o coronel Paulo José fez o acionamento das equipes de sobreaviso para que comparecesse à Esplanada dos Ministérios, 2 horas após o início das manifestações.”
A PF constatou que, conforme relatório da própria PMDF, houve intervalo de aproximadamente duas horas entre o início da manifestação e o acionamento das equipes de reforço para reprimir as ações dos radicais.
Foi por meio de mensagens do WhatsApp que a Polícia Federal comprovou o conhecimento do coronel Paulo José sobre os riscos das manifestações.
“Em algumas dessas mensagens foi informado que os radicais estariam com alta animosidade e falando sobre ‘morte e tomada de poder’. Vale mencionar também que existia Relatório de Inteligência nº 6, de 6 de janeiro de 2023, que dava conhecimento sobre os possíveis riscos das manifestações”, diz a conclusão da PF a partir do material apreendido com o coronel Paulo José.
O relatório foi apresentado ao Supremo Tribunal Federal (STF) no âmbito do inquérito que investiga a responsabilidade de autoridades perante a depredação das sedes dos Três Poderes.
Efetivo
A PF concluiu que “não se sabe com precisão o quantitativo do efetivo que realmente foi empregado nas manifestações do dia 8 de janeiro de 2023“.
A imprecisão ocorre porque um relatório da PMDF elaborado em 9 de janeiro afirma ter sido empregado, no dia anterior, previamente, um efetivo de 365 policiais militares. Depois, foram acionados 2.689 PMs, que estariam de sobreaviso.
A informação, porém, diverge de outro relatório da PMDF sobre os atos ocorridos em 8 de janeiro, segundo o qual 555 PMs atuaram na Esplanada dos Ministérios.
Manuscrito
Um manuscrito apreendido na casa do coronel era, possivelmente, um resumo das informações que seriam prestadas por Paulo José em depoimento à PF, de acordo com a corporação. No documento, estava registrado que a inteligência da PMDF não comunicou, em nenhum momento, que a manifestação se tratava de alto grau de risco.
Porém, diferentemente do informado pelo coronel, a PF destacou que o Relatório de Inteligência nº 6 alertou ao gabinete do de Segurança Pública do DF sobre a “possibilidade de invasão e ocupação a órgãos públicos”, participação de pessoas que pertenceriam ao segmento de colecionadores, atiradores e colecionadores (CACs) e possível ações de bloqueios em refinarias e/ou distribuidoras.
O coronel integrava um grupo no WhatsApp chamado PRIORIDADE, no qual foram divulgadas informações sobre “risco das manifestações”, diferentemente do que alegou Paulo José à PF.
“Em uma das mensagens, o participante do grupo Cel Edvan afirma que duas pessoas foram encaminhadas à delegacia por estarem portando pau, estilingue e estoque. Logo em seguida, o integrante ‘Leitão’ pede para repassar a informação sobre a necessidade do uso de exoesqueleto e capacete para os policiais que estariam na Esplanada”, diz trecho do relatório.
Coordenação da segurança
A Polícia Federal teve acesso a diversos diálogos entre Paulo José e o coronel Marcelo Casimiro Vasconcelos Rodrigues, então titular do 1º Comando de Policiamento Regional (CPR). O apontamento é que, nos diálogos entre os dois, de 5 a 8 de janeiro, o tema principal foi as manifestações que ocorreriam naquele fim de semana: “Percebe-se que tanto Casimiro quanto Paulo José trabalhavam em conjunto na coordenação e no planejamento da segurança do evento”.
Segundo a PF, três dias antes da depredação, o coronel Paulo José encaminhou uma mensagem a Casimiro na qual dizia que “a orientação pro dia 7 e 8 é fazer uma desordem no Congresso Nacional”. A partir dessa conversa, do dia 5 de janeiro, a PF supôs que “Paulo José recebia frequentemente informações acerca dos riscos das manifestações que ocorreriam nestas datas”.
Casimiro respondeu com o seguinte comentário: “Acho que é muito barulho e pouca ação. Mas é bom ficar ligado”. A corporação apontou que ambos os coronéis, aparentemente, “subestimaram as intenções dos radicais”.
Informante
O coronel Paulo José revelou a Casimiro que tinha um “camarada” informante no acampamento em frente ao Quartel-General do Exército, onde extremistas se reuniram para protestar contra a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva nas urnas, em outubro de 2022, para a Presidência do Brasil.
Na véspera dos atos antidemocráticos, o coronel chefe do DOP encaminhou ao colega a mensagem que seria do informante, na qual ele alertou que os manifestantes “vieram preparados para a guerra”, “não vão ceder de forma alguma” e contou que ouviu muitas conversas referindo-se “até mesmo morte”. “As coisas tá (sic) mais séria do que muitos brasileiros estão imaginando.”
Interino
À época dos atos antidemocráticos, o coronel Paulo José era interino porque Jorge Eduardo Naime estava em “dispensa recompensa”. Preso desde 7 de fevereiro, sob suspeita de ter retardado a atuação da PMDF nos ataques às sedes dos Três Poderes, Naime chegou a ir à Esplanada dos Ministérios ao saber da depredação.
Em depoimento à Polícia Federal, Naime ressaltou que estava de folga, autorizada pelo então subcomandante-geral da corporação, coronel Klepter Rosa, atualmente comandante-geral da PMDF.
Nos relatos à PF, Naime afirmou ter feito requisição para gozar de “dispensa recompensa” em 3 de janeiro de 2023, após trabalhar nove fins de semana seguidos. O coronel e ex-comandante do Departamento de Operações assinalou que, após o sucesso da operação na posse do presidente Lula, em 1° de janeiro, combinou informalmente com Klepter que tiraria a dispensa.
“O processo no SEI da dispensa recompensa foi formalizado em 3 de janeiro e formalmente autorizado pelo coronel Klepter Rosa, em 5 de janeiro”, disse o coronel Naime em seu depoimento.
Naime alegou que a folga seria para cuidar da saúde, descansar e fazer exames. O ex-comandante informou não ter participado de qualquer reunião de organização dos atos de 8 de janeiro porque já estava gozando do período de descanso.
No entanto, segundo ele, em 8 de janeiro, estava em um restaurante com sua esposa e seus filhos, em Sobradinho, região localizada a 28 km do Congresso Nacional. Ao ver a situação na Esplanada se complicando, por volta das 15h40, foi para casa, vestiu a farda e se ofereceu para ajudar. Naime chegou à Praça dos Três Poderes por volta das 17h40.
O outro lado
A coluna não conseguiu contato com o coronel Paulo José nem com a defesa dele. O espaço permanece aberto para eventuais manifestações.