“Até quando o Brasil vai tolerar essa blindagem”, pergunta senador que preside a CPMI
Senador do Podemos, que teve 12.712 votos (1%) em sua tentativa de se eleger prefeito de Belo Horizonte em 2014, acusa “decisões judiciais” da Suprema Corte de protegerem “quem saqueou aposentados e viúvas”.
Por Humberto Azevedo
“Até quando o Brasil vai tolerar essa blindagem? Até quando o silêncio será maior do que a nossa vergonha? De um lado, a Polícia Federal apreende cofres e dinheiro vivo em sindicatos ligados ao poder. Do outro, decisões judiciais protegem quem saqueou aposentados e viúvas”, afirmou o senador Carlos Vianna (Podemos-MG) – presidente da Comissão Mista Parlamentar de Inquérito (CPMI) que investiga fraudes em descontos irregulares realizadas junto aos benefícios de aposentados e pensionistas.
A fala do senador mineiro, que foi candidato a prefeito de Belo Horizonte, em 2024, onde obteve 12.712 votos – o que representou 1% no primeiro turno, aconteceu nesta última quinta-feira, 9 de outubro, após o colegiado tentar ouvir o testemunho do presidente do Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos (SINDNAPI), filiado a Força Sindical, Milton Baptista de Souza Filho, sobre a participação, ou não, daquela entidade no esquema que tungou recursos em benefícios pagos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Amparado por um habeas corpus concedido pelo ministro Flávio Dino, o dirigente sindical optou em permanecer em silêncio durante toda a oitiva.
“Esse é o retrato cruel do país que nós estamos enfrentando e que muitos querem deixar para os nossos netos e para as futuras gerações, mas nós não podemos permitir. (…) E me permitam aqui, senhores, deixar uma mensagem a todos que olham para esta Comissão Parlamentar Mista de Inquérito com a esperança de dias melhores para o nosso povo. Enquanto a Polícia Federal batia a porta dos corruptos nessa madrugada, aqui nesta Casa, mais uma vez tentaram calar quem busca a verdade. Não é coincidência, é consequência. Depois que esta CPMI colocou luz na escuridão, o que estava escondido começou a aparecer”, discursou Vianna em tom de desabafo.
“E nada do que está oculto resiste à luz da verdade. Foi esta comissão que rasgou o véu da impunidade. Antes dela, havia silêncio, cumplicidade. Depois do nosso trabalho, vieram prisões, bloqueios de contas, operações e investigações em todo o país. A CPMI do INSS não foi criada para assistir. Nós viemos aqui para agir. Ontem, levei pessoalmente ao ministro André Mendonça os relatórios da CPMI e pedi o cumprimento imediato das prisões já aprovadas. E disse, em alto e bom som: quem tem aviões, vistos e milhões para fugir do país, não pode continuar zombando da justiça brasileira. Horas depois, o amanhecer trouxe um resultado. A Polícia Federal e a Controladoria Geral da União deflagraram mais uma fase da operação sem desconto”, continuou.
CPMI À REBOQUE

Essa fala do senador mineiro é uma resposta, indireta, aos comentários que senadores governistas como o líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), fazem na CPMI afirmando que o instrumento investigativo parlamentar está a reboque da verdadeira apuração que é realizada pela Controladoria-Geral da União (CGU) e pela Polícia Federal. Nos bastidores, os parlamentares governistas acusam Vianna de tentar usar a presidência da CPMI do roubo dos aposentados para se auto-promover eleitoralmente para as eleições de 2026. Sem chances de ser reeleito senador, Vianna estaria usando os holofotes da CPMI para garantir sua eleição para a próxima legislatura da Câmara dos Deputados (2027-2031).
“Dentro do mesmo esquema que esta CPMI vem denunciando desde o início dos trabalhos. E eu quero, aqui, deixar claro, que a CGU agora não está mais ligada diretamente ao governo na investigação do INSS. A CGU está diretamente ligada e reportando ao Supremo Tribunal Federal. Agora, sim, nós vamos ter uma CGU independente e a serviço do povo brasileiro. Mas, enquanto a verdade avança nas ruas, tentam travá-la nos tribunais. Mais um habeas corpus, o segundo concedido pelo ministro Flávio Dino, agora ao presidente do SINDNAPI. Um habeas corpus que autoriza a vir a esta CPMI e se esconder no silêncio. Nenhuma resposta, nenhuma explicação, nenhuma satisfação para os brasileiros que o sindicato enganou”, complementou.
“Estamos aqui há mais de dez horas, dez horas de silêncio, dez horas de impunidade, dez horas que gritam mais do que qualquer palavra dita nesta sala. Mas a verdade tem voz própria. Ela fala pelas provas, pelos extratos, pelos saques, pelos milhões desviados, pelos milhões sacados na boca do caixa e que desapareceram. Nós não somos o problema, somos a esperança de quem não tem voz. Enquanto o idoso conta moedas no fim do mês, há quem conte notas de 100 dentro de cofres apreendidos. Enquanto a viúva reza por justiça, há quem sorria nos bastidores do poder. Mas este parlamento não foi feito para se curvar. Esta presidência e esta relatoria não se curvarão. Fomos eleitos para agir”, completou.
Por fim, Vianna afirmou que “um juiz não pode calar quase 600 parlamentares eleitos pelo povo” e a CPMI continuará tentando investigar, em paralelo, o escândalo já em fase avançada de apuração pela própria Polícia Federal e CGU, acompanhada do Ministério Público Federal (MPF).
“Esta comissão já fez história e fará mais. Porque quem rouba o aposentado, rouba o Brasil. E quem protege corrupto, trai a nação brasileira. Aos que tentam esconder a verdade, deixo apenas uma certeza. Podem calar depoentes nesta CPMI, mas não calarão a consciência dos brasileiros”, finalizou.
ÍNTEGRA DA ENTREVISTA
Abaixo segue trechos das entrevistas que o senador Carlos Vianna já concedeu desde que a CPMI começou a funcionar em 20 de agosto. O colegiado tem até 28 de março de 2026 para apresentar um parecer sobre o escândalo, que culminou na demissão do ex-ministro da Previdência – Carlos Lupi, do ex-presidente do INSS – Alessandro Stefanutto, que já tinha sido afastado quando da deflagração da primeira operação realizada pela Polícia Federal intitulada “Sem Descontos” em 24 de abril, e na prisão preventiva de diversas pessoas acusadas de se envolverem no esquema de fraudes em descontos irregulares realizadas junto aos benefícios de aposentados e pensionistas.

Em 12 de setembro, o governo federal já devolveu R$ 1,29 bilhão a aposentados e pensionistas que tiveram descontos associativos indevidos em seus benefícios. Esse valor refere-se a mais de 2,3 milhões de beneficiários do INSS, que corresponde a cerca de 70% dos aposentados e pensionistas que tiveram recursos retirados sem autorização. Os demais 30% dos aposentados e pensionistas, que foram prejudicados, já assinaram o acordo para ter o dinheiro de volta, com correção pela inflação. O total dos recursos pegos pelas associações sem autorização deve chegar a R$ 1,5 bi.
Imprensa: Como o Sr. avalia até aqui os trabalhos da CPMI?
Carlos Vianna: Primeiro, estou satisfeito com as respostas e a participação. Agora, pelo que nós já estudamos, pelo que nós já acompanhamos, pelo que nós já temos como documentação, o esquema foi muito bem montado, inclusive, baseado, calçado, em toda uma documentação legal que dá a ele o aspecto de legalidade e, principalmente, que foi realizado dentro das regras do nosso país. Para isso, existe um crime chamado lavagem de dinheiro. Nós, naturalmente, vamos deixar que as testemunhas falem o que quiser, que se eles não estão aqui como investigados, respondam da maneira que desejar, é o direito perante a Constituição. Mas tudo o que tem sido falado vai ser comparado com as provas, com os sigilos que nós temos. E eu digo para vocês, com muita tranquilidade, de que estão totalmente fora do que nós já temos como provas desse esquema que roubou os aposentados brasileiros. As testemunhas tem todo o direito de dizer que não conhecem ninguém, que não participaram, que estavam ali nas reuniões apenas como convidados. Faz parte, mas as informações que não correspondem ao que eles estão afirmando na CPMI [vão ser apuradas, checadas]. Nós não vamos expor ninguém aqui que não tenha nexo causal. É um compromisso que eu tenho de trabalho, de procedimentos, tanto com a oposição quanto com o governo. É um direito do depoente.
Imprensa: E a atuação do relator, deputado Alfredo Gaspar – que devido a sua militância no bolsonarismo – era acusado de politizar contra o governo essa CPMI? Como que vê o trabalho dele?

Carlos Vianna: O relator é um homem experiente, é um homem do Ministério Público. O relator tem acompanhado comigo todas as informações. É natural que nós tenhamos uma indignação diante do que está sendo colocado e diante do que nós lemos. São anos de uma organização que tomou conta de assalto da Previdência Brasileira. Essas pessoas, eles têm todo um sistema e estavam tão seguros de que não seriam indiciados, não seriam presos, que é como eu disse, calçaram a documentação em provas, sacaram milhões de reais nos bancos, tudo provisionado. E vai ser muito interessante, depois de ouvirmos os principais envolvidos, sentarmos para uma acareação daqueles que já estiveram e estão ligados aos depoentes. Vai ser muito interessante nós perguntarmos para os dois quem está mentindo, quem sacou o dinheiro ou quem diz que não recebeu. Todas as pessoas que já estiveram na CPMI, desde ex-ministros a membros diretores, estão sujeitos a serem convocados novamente se as informações que nós obtivemos com as provas, com as informações oficiais, desmentirem o que foi colocado nesta CPMI. Muito obrigado, gente.
Imprensa: E as oitivas em que as testemunhas abusam de não falar a verdade, que já resultou em prisões por isso e mesmo os testemunhos que se valendo de um habeas corpus do STF, ficam em silêncio absoluto?

Carlos Vianna: O que nós assistimos [nestes casos] foram mais um capítulo de um esquema muito bem montado que roubou os aposentados e que agora tenta se proteger, inclusive, com muito bons advogados orientando as pessoas. É de se questionar, inclusive, como o depoimento [acompanhado de] advogados que são caros, conhecidamente caros, estão representando pessoas que alegam não ter nem renda para poder pagar aluguel. A incoerência já começa por aí. Nós demos à testemunha todo o direito de permanecer calada, conforme o habeas corpus dado pelo Supremo, em não se incriminar, mas foram muito claras as posições em que ele deveria falar a verdade nas perguntas que não estavam cobertas. [Essa testemunha] em vários momentos omitiu as informações, escondeu documentos, sabia das movimentações mas primeiramente negou, depois deu outras informações que acabaram também não se confirmando em valores, tem pleno conhecimento de toda a atividade, foi representante das várias empresas usadas para desviar o dinheiro dos aposentados e alegou aqui não desconfiar de absolutamente nada e só saber somente com a Polícia Federal. Diante das notas taquigráficas, do início, do meio e do fim do depoimento, ficou constatado o crime de falsidade contra a CPMI e isso está previsto em lei como prisão em flagrante.
Imprensa: Mas esse tipo de ação funciona? Até porque, após o preenchimento dos termos circunstanciados, pagam a fiança e saem da prisão?
Carlos Vianna: Não tive outra ação senão a de demonstrar que nós não estamos aqui para tolerar mais nenhum tipo de engano a essa CPMI. Nós respeitamos todos os direitos, mas nós também seremos muito firmes com as pessoas que comparecerem aqui e se não comparecerem, terão a condução coercitiva decretada por essa presidência.
Imprensa: Mas o que embasou as prisões?
Carlos Vianna: Nós temos as quebras de sigilo e as informações que chegaram por parte da Receita Federal mostrando com clareza que [essa testemunha, Rubens Oliveira, apontado como um intermediário do esquema de descontos irregulares em benefícios previdenciários] provisionou e sacou milhões de reais em agências bancárias de Brasília. Ele mesmo confessou apenas um dos saques, mas foi questionado sobre os demais e negou o que está claramente provado, que ele está escondendo documentação, que ele está escondendo informação sobre as ações que ele praticou. Segundo ponto, as datas em que ele diz encontrar com pessoas com determinados envolvidos no esquema também não estão de acordo como foi demonstrado claramente pela documentação apresentada. Mentir para uma CPMI é crime e foi exatamente o que nós alertamos desde o início. Inclusive, demos a ele a chance de dar respostas corretas, o relator voltou a perguntar em vários pontos e as informações, ou pelo menos a tentativa de omitir a verdade da CPMI, se tornou uma prática comum. A ordem de prisão foi dada em cima, portanto, dessa demonstração de que ele estava disposto a não contar a verdade no depoimento.
Imprensa: E como avalia as decisões do STF que concedem o direito a acusados de participarem do esquema que tungou os recursos dos aposentados de não comparecerem a CPMI?

Carlos Vianna: Nós recebemos com profunda indignação a decisão do ministro Flávio Dino de, mais uma vez, permitir que uma pessoa importante no depoimento compareça se desejar. Claro que ela não vem. Isso não é uma política correta de combate à corrupção no Brasil, a meu ver, que não é garantindo o direito de quem tem o que dizer à justiça que nós vamos conseguir chegar aos resultados. Quem perde não é o parlamento, não. Quem perde são as viúvas, os órfãos, os aposentados que foram roubados neste país e que querem uma resposta. E o Supremo Tribunal Federal, infelizmente, prejudica essa investigação. Nós não estamos aqui numa CPI simplesmente ocupando um tempo, não. Nós estamos em paralelo com a justiça fazendo uma investigação. Nós queremos dar respostas ao povo brasileiro. E uma decisão como essa do ministro Flávio Dino permite que fraudadores, permite pessoas que receberam dinheiro público desviado, eles se escondam atrás dessas decisões e não queiram vir a falar. Mas, mas vão falar na Polícia Federal. A população tem direito de saber quem roubou, qual é a participação de cada um. Nós estamos dando total direito de defesa. Estamos cumprindo todo o regulamento que já existe. Então, com toda sinceridade, mais uma vez, vamos fazer uma visita ao Supremo, levar o nosso respeito, mas é uma decisão que nos estranha muito, porque envolve pessoas ligadas a advogados que são poderosos aqui em Brasília, que têm muitos amigos, inclusive, no Judiciário e que hoje estão buscando seus padrinhos políticos, todos eles buscando uma forma de não comparecerem aqui as pessoas que têm o que dizer a essa CPMI. E nós não vamos parar. Nós vamos continuar lutando, vamos continuar buscando os recursos, as provas necessárias. Vamos entrar com pedidos do Supremo Tribunal Federal de reconsideração dessas decisões, porque nós temos um objetivo muito claro, que é nós esclarecermos o que está acontecendo nesse país. Com toda sinceridade, aqueles que fraudaram a Previdência, aqueles que ajudaram a fraudar, aqueles que têm participação em toda essa roubalheira, estão aplaudindo a decisão do ministro Flávio Dino. Pode estar coberta da legalidade, mas prejudica e muito a investigação, o que nós temos de dar ao Brasil como resposta.
Imprensa: E como analisa até aqui os trabalhos da CPMI?
Carlos Vianna: Bem, nós estamos observando, e é já muito claro pelos dados que nós temos, que todo esse grupo, ele articulou e muito bem as operações para desvio do dinheiro da Previdência Social. Nós não estamos tratando com amadores, nós estamos lidando com pessoas que têm somas bilionárias nas contas, escritórios de contabilidade, caríssimos que ajudaram a maquiar todas as operações, escritórios de advocacia que também orientaram dentro da legislação para que tudo aquilo que aconteceu de desvio de dinheiro dos aposentados brasileiros pudesse ter uma aparência de legalidade. Quando nós olhamos o processo por fora, pela fala dos depoentes que têm vindo a essa comissão, ao que parece está tudo em ordem, tudo dentro de um arcabouço, vamos dizer assim, de uma organização. Mas não está, porque quando a gente vai observar a prestação de serviços, quando a gente começa a seguir os depósitos, a gente percebe que altíssimas somas em dinheiro sacados dos bancos pelos envolvidos ou pelos seus representantes, esse dinheiro não tem destinação. Se as empresas, é a minha visão, juntamente com o relator, trabalharam totalmente dentro da legalidade, os recursos deveriam estar disponíveis na sua totalidade em alguma conta ou à disposição dos sócios para investimentos em várias áreas. O que nós temos são casas compradas com pagamento à vista, salas compradas com dinheiro à vista, desvio de dinheiro para a compra de aeronaves, que hoje não se sabe exatamente quem são os donos. Todo esse patrimônio, ele teve uma destinação que não está correta com o que tem sido falado aqui na CPMI. Daí, a nossa decisão inclusive, e a minha, de colocar em votação o requerimento ao ministro André Mendonça da prisão de mais uma pessoa, que é o advogado Nelson Williams, que esteve conosco aqui, não quis dar respostas efetivas e que, dentro dos dados que nós temos, mostra que o patrimônio que ele tem está diretamente ligado à boa parte dos depoentes que estão, neste momento, negando participação, mas cujos dados dizem totalmente ao contrário.