“Estamos tratando” de “algo ainda mais grave do que evasão”, num “esquema criminoso” que “está por trás” da ocultação e manipulação de combustíveis
Secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas explica a realização da operação “cadeia de carbono”, que apura fraudes na importação de combustíveis e empresas que surgem artificialmente, com possível relação ao crime organizado, para atuar na importação de cargas avaliadas em centenas de milhões de reais.
Por Humberto Azevedo
Em entrevista coletiva na última sexta-feira, 19 de setembro, ao qual a reportagem do grupo RDM estava presente, após a deflagração da operação “cadeia de carbono”, em conjunto com a Polícia Federal (PF), Ministério Público Federal (MPF) e dos órgãos policiais dos estados de Alagoas, Amapá (AP), Paraíba (PB), São Paulo (SP) e Rio de Janeiro (RJ), para a apuração de práticas ilegais e irregulares na importação e comercialização de combustíveis e derivados de petróleo, o secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, afirmou que podemos estar “tratando” de “algo ainda mais grave do que crime de evasão”, num “esquema criminoso” que “está por trás” da ocultação e manipulação de combustíveis.
Na entrevista, realizada no complexo portuário do Rio de Janeiro, Barreirinhas explicou a realização da operação, que apura fraudes na importação de combustíveis e empresas que surgem artificialmente, com possível relação ao crime organizado, para atuar na importação de cargas avaliadas em centenas de milhões de reais. Segundo ele, a ofensiva tem como objetivo “desarticular organizações criminosas especializadas na interposição fraudulenta” se utilizando de expedientes utilizados para ocultar os reais importadores e a origem dos recursos financeiros das operações.
Para Barreirinhas, que antes de assumir o posto na Secretaria de Receita Federal (SRF), foi procurador-geral da prefeitura de São Paulo (SP), chefe da Procuradoria da Fazenda junto ao Tribunal de Contas dos Municípios (TCM) do estado de SP, e especialista em Direito Tributário, “esse modelo sustenta crimes como lavagem de dinheiro, evasão de divisas e sonegação fiscal”. As ações da Receita concentram-se em empresas que, apesar de apresentarem pouca ou nenhuma estrutura operacional e capacidade financeira compatível, surgem formalmente como importadoras de cargas avaliadas em centenas de milhões de reais.
As investigações apontam possível envolvimento de “laranjas, organizações criminosas e grupos empresariais de grande porte, que se utilizam de cadeias contratuais complexas para ocultar os verdadeiros responsáveis e os fluxos financeiros das operações”. Em razão de provas já colhidas que indicam irregularidades, estão sendo efetuadas retenções de cargas em diferentes localidades do país. Na data da operação, em 19 de setembro, foram retidos a carga de dois navios destinados ao Rio de Janeiro no valor de aproximadamente 240 milhões em petróleo, combustíveis e hidrocarbonetos, incluindo óleo condensado de petróleo.
Para evitar estas práticas, na última quarta-feira, 24 de setembro, foi publicada uma Portaria de número 583 da Receita Federal reforçando as regras de controle e fiscalização da importação de combustíveis e hidrocarbonetos. A medida, elaborada em diálogo com o setor, busca impedir de forma definitiva a repetição desse tipo de expediente fraudulento.
A Receita Federal, no exercício de suas competências legais, seguirá atuando de forma rigorosa para assegurar a conformidade das operações de importação no setor de combustíveis e derivados de petróleo, garantindo a proteção da concorrência leal, da arrecadação tributária e da integridade do comércio exterior brasileiro. O novo regramento aprimora a identificação de irregularidades, promove ações coordenadas com outros órgãos públicos e garante maior controle sobre produtos sensíveis à economia e à segurança nacional.
Entre os principais pontos da Portaria estão: Tratamento prioritário para crimes tributários e aduaneiros, com articulação entre áreas da Receita Federal e outros órgãos de segurança pública; Ações para coleta de provas, com apoio policial quando necessário, visando garantir a integridade dos agentes e a efetividade das operações; Regras específicas restritivas para o despacho aduaneiro antecipado de petróleo, etanol e combustíveis, exigindo anuência formal da Receita Federal; Obrigatoriedade da anuência do fisco estadual do estabelecimento importador e do fisco do local da descarga do combustível para reduzir os riscos de fraudes contra a administração local; e endurecimento dos requisitos de habilitação dos importadores de combustíveis e derivados de petróleo.
ENTREVISTA
Abaixo, seguem os principais pontos da entrevista coletiva concedida pelo secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas.
Imprensa: O que representa e significa esta operação “cadeia de carbono” lançada pela Receita Federal?

Robinson Barreirinhas: O governo federal, o Ministério da Fazenda e a Receita Federal têm um compromisso de combater o financiamento do crime no Brasil. Há três semanas, nós tivemos três operações, a ‘Operação Carbono’, a ‘Operação Tank’ e a ‘Operação Quasar’, que revelaram relações de organizações criminosas junto ao setor de combustíveis. A operação cadeia de carbono, ataca o braço atual e meio desse sistema criminoso, que é a importação fraudulenta de combustíveis aqui no Brasil, que nada mais é do que tentar esconder quem realmente está importando aquele produto, a origem do dinheiro que está sendo utilizado nessa importação. Muitas vezes, quem se apresenta à Receita Federal como importador é uma pequena empresa, um pequeno escritório, num estado distante, sem nenhuma estrutura física, sem nenhuma estrutura financeira, e que aparece adquirindo mais de 50 milhões de litros em cada um dos navios. Na operação de hoje, nós atingimos 11 autos, onde podemos colher provas [como] evasão tributária. O que nós estamos tratando é algo ainda mais grave do que isso, ainda mais grave do que o crime de evasão. Essa ocultação de quem está por trás desse esquema criminoso, da origem do dinheiro que é utilizado nessas operações, de quem luta contra essas operações. Nós estamos convictos que esse tipo de crime vem por de grandes organizações criminosas, com estruturas complexas, societárias e contratuais. A Receita Federal tem elementos para a retenção da carga completa de dois navios que estão aqui na região do Rio de Janeiro. Um deles, inclusive, o coordenador de retenção da Receita Federal abordou este navio aqui na área do Rio de Janeiro, com o apoio da Marinha e com o apoio do Ministério de Minas e Energia, e está coletando amostras para a testagem desses produtos. Porque há essa questão também de declaração de um produto, mas de chegada de um produto diferente, que pode causar muitos danos, não só a vida dos deputados, mas também para o consumidor brasileiro. Nós estamos também no diálogo com o Judiciário para informar o Judiciário dessa situação de inserção de organizações criminosas no setor de combustíveis, para convencer os juízes de não concederem a liberação dessas mercadorias, para não aceitarem garantias inidôneas, que muitas vezes são apresentadas por essas empresas para a liberação dessas cargas apreendidas.

Isso é muito importante para manter essa atenção e no futuro, depois de todo o contraditório, a pena da apreensão dessas cargas. Para nós, nós interrompermos esse fluxo de financiamento desse sistema criminoso. Nos próximos passos, nós vamos levantar todos os elementos de troca que estão sempre por aí, que foram incluídos já na operação em cinco estados diferentes. Vamos analisar isso, vamos cruzar as informações que nós temos das operações anteriores, para identificar todas as empresas, todas as pessoas físicas que participaram desse sistema para representá-las criminalmente à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal. Nós vamos publicar também nos próximos dias uma instrução normativa da Receita Federal engrossando o regramento para a importação de combustíveis. Nós vamos restringir muito a possibilidade de despacho antecipado, como foi feito na Inglaterra, que é o despacho de uma localidade distante da localidade de efetiva entrega desse combustível. Nós também vamos exigir licenciamento prévio de importadores de combustível que não sejam contribuintes de alta conformidade com a Receita Federal, sem prejudicar os bons empresários e as boas empresas. Isso é muito importante, porque nós estamos num momento de sanear esse setor de combustível e, com isso, abrir espaço para as empresas idôneas, as empresas com conformidade, para que elas possam trabalhar nesses ambientes de negócio. E mais importante do que isso, essas ações são importantes para proteger o consumidor brasileiro e a população brasileira. Essa operação é uma operação aduaneira, voltada para o comércio internacional, mas ela está alinhada às operações de três semanas atrás, alinhada com a parceria nossa, da Receita Federal, com a Polícia Federal, com o Ministério Público Federal, com os Ministérios Públicos Estaduais, com os Fiscos e as Polícias Estaduais.

Toda inteligência coletada nessa operação pela Receita Federal será compartilhada com essas entidades que participam da Receita Federal para que a gente possa avançar nesse trabalho cooperativo que tem dado tão bons resultados no combate às orientações criminológicas aqui no Brasil. Como eu disse, nessa operação estamos atacando o braço aduaneiro dessas operações. Veja que a Receita Federal em nenhum momento, citou nomes nem dessas organizações para evitar, inclusive, o prejuízo para as investigações posteriores. Na representação criminal que será feita ao Ministério Público, à Polícia Federal, a Receita Federal vai indicar o seu posicionamento sobre o que aconteceu aqui. Mas nesse momento, nós não vamos testemunhar contra nenhuma das organizações que possam estar por trás disso. Eu queria concluir deixando claro que essa operação é uma sinalização muito importante do governo federal, do Ministério da Fazenda e da Receita Federal, de que nós vamos apertar e vamos prosseguir nos nossos esforços de atacar essas organizações criminosas desse setor.
Imprensa: Essa operação, que envolve empresas que estão na Bolsa de Valores, pode ter resultado na queda da Bolsa? Esta operação aduaneira aconteceu a partir do Rio de Janeiro (RJ), ela vai se repetir em outros locais?
Robinson Barreirinhas: Olha, não dá pra fazer essa correlação de queda na Bolsa com a nossa operação. Há diversos elementos que podem impactar na nossa operação. Não tem essa correlação nem a possibilidade. A operação foi realizada em cinco estados diferentes da federação: Amapá, Paraíba, Alagoas, Rio de Janeiro e São Paulo. A razão de nós estarmos aqui no Rio de Janeiro é por conta desse navio, que está chegando. Vocês vejam que, muitas vezes, a importação de hidrocarbonetos, como se fosse algum outro combustível, e que deveriam ser destinados, por exemplo, a indústria, e acabam sendo desviados para o setor de combustíveis. Isso tudo vai ser definido, ou vai ser apurado, a partir dessas referências.
Imprensa: E isso é o quê?

Robinson Barreirinhas: Sabe-se que é derivado de petróleo. Cada navio tem uma classificação, evidentemente. Esse, especificamente, é um tipo de óleo cru, que está lá. Tem uma especificação muito especificada. E óleo cru. Tem um óleo que é um óleo condensado. E tem toda uma especificação deste produto. Cada navio, elas têm uma variação. O que é importante para a Receita Federal é que a declaração seja precisa. Porque há tratamentos limitados, distintos. Tem petróleo, hidrocarboneto. Tem barro de petróleo. Alguns são combustíveis. Outros não poderiam ser importados para fins de combustíveis. Alguns são os insumos para imposto [na importação]. No geral, alguns são os insumos para imposto nas refinarias. Tudo isso vai ser declarado corretamente. Quando não é declarado corretamente, pode ser, inclusive, um elemento para aplicação da queda de engajamento. Tudo isso vai ser feito, não só pela cor do óleo. Vai ser pela perícia para dedicar à publicidade. Nesse momento, nós fizemos a retenção. E notificamos a empresa destinatária. A empresa destinatária da retenção de cada total de dois navios.
Imprensa: O segundo estava em alto-mar?

Robinson Barreirinhas: Exatamente. São declarações de importação distintas. Nesse primeiro é uma declaração de importação, em relação a um destinatário. E no outro navio [traz] duas declarações de importação. Eu não quero entrar nesse detalhe, porque, talvez, uma pequena carta responda essa própria pergunta. Uma das frentes, ou uma das estratégias que se utiliza nesse esquema exterior, é exatamente a operação destinatária. A importação é feita, segundo a empresa, sem estrutura. Se embarca o aduaneiro em outro estado. E antes dele chegar no Rio de Janeiro, esse produto já foi vendido, revendido e submetido a outras operações. É por isso que agora a Receita Federal está fazendo uma análise detalhada de toda essa cadeia, não só societária das empresas que compõem essa estrutura, mas também contratual nessa cadeia. Então, nesse momento, a gente não vai informar exatamente o que está acontecendo. Mas não é necessariamente a empresa, mas pode ser que por trás disso esteja algum produto vendido.
Imprensa: Então, ainda não tem os nomes quem são os que participam desta operação? Tipo fornecedor, vendedor, comprador?
Robinson Barreirinhas: Olha, não há nenhum elemento que indique que há participação do fornecedor e do vendedor. Então, nós não vamos usar o termo detalhado aqui para preservar, inclusive, o nosso segredo para essa operação. Mas não há nenhum elemento de envolvimento de empresas vendedoras.
Imprensa: Mas a questão é realmente uma possível interposição do vendedor na importação de outros instrumentos fáceis de entrega, que são importados internacionalmente, como Nafta e Metanol?
Robinson Barreirinhas: Sim. Nafta, como vocês sabem, não deveria, mas muitas vezes era destinada ao mercado de combustível. E o Metanol, nós vimos em uma operação anterior, que deveria ser destinado à indústria, não poderia ser utilizado como combustível, mas estava sendo destinado aos consumidores.
Imprensa: E a empresa que agora está importando o metanol é a mesma? Pode estar com o mesmo grupo que está importando metanol?
Robinson Barreirinhas: Olha, de novo, neste momento, nós não estamos revelando casos dessas empresas. Nós estamos revelando aqui, em esquema, o que está sendo vendido.
Imprensa: Enem é para saber o que é derivado de petróleo a ser utilizado na indústria química, por exemplo, e o que é para ir para o setor de combustível, correto?
Robinson Barreirinhas: Veja, o óleo que é produzido em determinados países, às vezes, passa por outros antes de chegar no Brasil. Porque, neste momento, não entraram nesses detalhes da manutenção. Nesse ponto de vista. Só vamos para o outro [navio], em relação ao metanol.
Imprensa: Existe qualquer suspeito de metanol em fluxo?
Robinson Barreirinhas: Olha, nós acompanhamos, na verdade, acompanham o fluxo do comércio internacional e as caras que vêm chegando ao Brasil. Então, não há… Não tem dado, neste momento, o fato que está chegando é o metanol. Mas, isso não é um problema, não é um problema em si na situação. A destinação que era dada a esse metanol, ele deve ser levado para o Caribe, ao qual era destinado à distribuição.
Imprensa: Esse navio está sendo rastreado no dia a dia?
Robinson Barreirinhas: Está sendo rastreado. Está tendo o acompanhamento, e a Marinha está alerta ao fato de que já houve a apreensão da carga desse navio, que, justamente, vai ser desembarcado.
Imprensa: E tem algum outro navio que vocês esperam, além desses dois?
Robinson Barreirinhas: Veja, como eu disse, é um ciclo contínuo de casos que chegam no Brasil. A Receita Federal acompanha 100% das cargas que chegam no Brasil. Então, é possível, sim, que há outros momentos como esse. O fato de nós estarmos aqui nessa coletiva é por ser uma nova aproximação dessa questão para a Receita Federal. É uma nova postura da Receita Federal de aperto em relação a esse tipo de operação. E, como eu disse, nos próximos dias, nós publicaremos uma resolução normativa para essa situação, para coibir exatamente esse tipo de prática.