MATO GROSSO

Novos mercados resolvem para o agro

ENTREVISTA DA SEMANA | CONSULTOR DA FPA

“A palavra final vai ser do Trump”, avalia Barral. Segundo o especialista em comércio exterior, isso é um complicador, dado a imprevisibilidade em que o presidente dos EUA age. (Foto: Divulgação / FPA)

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“Há 20 anos atrás, os Estados Unidos eram 25% das exportações brasileiras. Se isso acontecesse há 20 anos atrás, o impacto seria o dobro do que é hoje”, aponta Barral

 

Por Humberto Azevedo

 

Ex-secretário de comércio exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDICS), entre 2007 e 2010, e chamado pela Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) para atuar como consultor da entidade no caso das tarifas de 50% prometidas pelo governo dos Estados Unidos da América (EUA) já para a próxima sexta-feira, 1º de agosto, Welber Barral assinalou que se este episódio tivesse ocorrido há 20 anos, o impacto destas tarifas sobre a economia brasileira seria o dobro que é atualmente.

 

Atualmente, as exportações brasileiras para os EUA representam cerca de 12%. Em 2005, esse percentual era de 25%. Gaúcho de Santa Maria (RS) e autor da obra “O Brasil e o Mercosul no comércio mundial”, Barral teceu este comentário após ser questionado pela reportagem do Grupo RDM após uma reunião que teve no dia 15 de julho com os parlamentares da bancada ruralista. Na ocasião, o advogado especialista em comércio exterior destacou que o cenário só não é pior porque “a diversificação é algo que o Brasil tem feito há muitas décadas” e que “esse é um dado importante”.

 

“Há 20 anos atrás, os Estados Unidos eram 25% das exportações brasileiras. Se isso acontecesse há 20 anos atrás, o impacto seria o dobro do que é hoje. Então, o Brasil conseguiu diversificar para vários outros mercados. Mas não é um processo rápido, é um processo lento”, comentou Barral ao avaliar que é possível o país mudar a rota das exportações brasileiras com destino aos EUA, sobretudo as das commodities.

 

Já segundo ele, a mudança de destino dos EUA para outros mercados referente a “produção industrial é muito mais complicada”. “Você tem cadeias globais de valor, você tem parte de certificação, você tem parte de construção, logística. Então, não é simples”, observou.

 

QUEBRA DE PATENTES

 

Questionado se o Brasil deve adotar a lei da reciprocidade econômica para retaliar produtos norte-americanos consumidos no Brasil, o consultor da FPA apontou que a quebra de patentes de setores da indústria farmacêutica deve ser uma possibilidade levantada na mesa pelas autoridades brasileiras.

 

“A lei de reciprocidade brasileira permite também a retaliação cruzada, que é a retaliação em propriedade intelectual de serviços. Que aí sim tem um efeito muito grande, até porque o Brasil tem um déficit de serviços muito grande com os Estados Unidos. O Brasil é um grande importador de serviços e de propriedade intelectual dos Estados Unidos. Foi a ameaça de quebra de patentes que levou à negociação do algodão em 2009, 2010. Então é um argumento importante, embora seja um argumento muito grave em que você está afetando direitos privados, está afetando contratos, como o Trump está fazendo agora com o Brasil”, ponderou. 

 

“Então, [a quebra da] propriedade intelectual funcionou muito bem no caso do algodão em que o Brasil mostrou que estava disposto a aplicar, quando o Brasil tinha todo o direito legitimado pela OMC [Organização Mundial de Comércio], e os Estados Unidos tiveram mais do que a oportunidade de assumir a decisão e não cumpriram, então, naquele contexto, foi muito operacional”, frisou.

 

ÍNTEGRA

 

Abaixo, segue a íntegra da entrevista que o Welber Barral concedeu a reportagem do Grupo RDM.

 

RDM: Como é que o senhor vê essa negociação entre o Brasil e os Estados Unidos, comandada pelo vice-presidente e ministro responsável pelo MDICS, Geraldo Alckmin (PSB), e de que o governo não trabalha com a hipótese de extensão de prazo para implementação das tarifas de 50% contra às exportações brasileiras destinadas àquele país, além da próxima sexta-feira, 1º de agosto? E que nem a redução do percentual de 50% para 30%. Como analisa isso aí?

Welber Barral: Talvez o governo tenha informações que nós não tenhamos, é claro que o governo tem informações da embaixada, tem informações confidenciais que muitas vezes nós não sabemos como está andando a negociação. Agora, a grande verdade, na experiência como negociador, é que duas semanas é muito pouco para qualquer negociação. O impacto econômico, o impacto da análise setorial, é muito difícil você fazer num prazo tão curto. Então, houve situações recentes, inclusive com a China, em que os Estados Unidos prorrogaram várias datas com relação ao México, com relação ao Canadá, prorrogaram várias datas para que houvesse mais tempo de negociação.

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RDM: O senhor vê o Brasil com alguma possibilidade de achar em outros mercados uma forma de substituir as exportações aos Estados Unidos, já que a gente exporta em torno de 10%, 12% da nossa produção?

Welber Barral: Certo. Exatamente, esse é o percentual. Isso tem efeitos diferentes dependendo do mercado. O que acontece? Quando você trata de commodities, por exemplo, café ou carne ou outros produtos, são commodities com preços globais, que vão ser exportados para outros mercados. As commodities vão ser exportadas para outros mercados, provavelmente com preço menor, provavelmente com problemas de logística, de transporte. Então, você cria todo um problema, mas vai ser exportada. Quando você trata de produtos industriais, é bem mais complicado. Tem produtos industriais que são destinados para aquele processo químico, para aquela empresa, para aquela montadora de automóvel. E aí você não tem uma transmissão fácil para outros mercados. Nesse caminho, o que a gente pode destacar é que fica mais dificultoso para o Brasil? Tem a carne bovina processada, o que mais? O mercado americano é gigantesco para vários produtos brasileiros. Nós pegamos café, por exemplo, tem um impacto muito grande na cadeia de café. O setor salineiro chamou minha atenção, porque eu não tinha falado deles. O setor salineiro, que parece que exporta, 50% das exportações são para os Estados Unidos. Tem o setor de cacau, que também tem a exportação pequena, mas é relevante. Então, o que acontece é que é um mercado muito grande. Você sempre tem um efeito naquele setor específico que importa de algum lugar do mundo. E você vai ter isso. Agora, quando você olha no geral, os setores industriais são mais afetados.

 

RDM: A Ásia consegue receber esse redirecionamento das exportações?

Welber Barral: De commodities, sim. Produção industrial é muito mais complicada, você tem cadeias globais de valor, você tem parte de certificação, você tem parte de construção, logística. Então, não é simples. A diversificação é algo que o Brasil tem feito há muitas décadas. E esse é um dado importante. Há 20 anos atrás, os Estados Unidos eram 25% das exportações brasileiras. Se isso acontecesse há 20 anos atrás, o impacto seria o dobro do que é hoje. Então, o Brasil conseguiu diversificar para vários outros mercados. Mas não é um processo rápido, é um processo lento.

 

RDM: Na sua experiência, no que o senhor já estudou, esse é um momento sem precedentes?

Welber Barral: Então, até por isso, fica difícil traçar um paralelo ou vislumbrar um futuro, por mais que a taxação comece a valer daqui a 15 dias? O que é que tem de parecido? Parecido é um contencioso comercial. Nós já tivemos vários com os Estados Unidos, por causa de algodão, por causa da lei de informática, por causa de minério de ferro, por causa de aço, por causa de suco de laranja. Já tem vários contenciosos, inclusive na OMC. Então, o contencioso comercial com o Brasil, com a Argentina, com o Canadá, no caso dos aviões, não é inédito. O que é inédito é a imprevisibilidade. A imprevisibilidade é muito grande. E o fato de que a decisão depende basicamente do Trump. Você não tem uma instituição onde negociadores distintos, o Departamento de Comércio, o Departamento do Tesouro Americano, tinham muito mais relevância do que tem agora. Então, é diferente, mas é um contencioso comercial. Até pelo perfil do Trump, às vezes ele ameaça, recua, ameaça, recua.

 

RDM: É possível a gente acreditar que ele vai manter esses 50%? Poderá cair pelo menos a 15%, 20%? Ou o senhor acredita que o governo brasileiro vai dar o troco na mesma moeda?

Welber Barral: Então, vamos lá. São duas questões diferentes. A primeira delas é o que o Trump vai fazer. Hoje eu falava com um diplomata americano e ele me disse que só Trump sabe. E, às vezes, nem ele sabe. Porque, na verdade, houve muitas idas e vindas ao longo desse ano. Nós, no Brasil, menos. Mas nós temos que lembrar quantas vezes houve ameaças contra o Canadá, voltou atrás e agora tem uma nova ameaça. Então, é a mesma coisa o México, a União Europeia, a China. Então, isso tem acontecido muito desde o começo do ano e é muito imprevisível. O mercado financeiro americano aposta na chamada hipótese taco. Trump always chickens out. Que o Trump amarela no final. E por isso seria uma explicação pela qual os treasuries americanos não caíram tanto como caíram em abril. Quando ele anunciou tarifas de até 70% em abril, que acabou não aplicando. Então, o mercado financeiro espera que, se forem aplicadas tarifas, não seriam num patamar tão alto. Mas é muito imprevisível.

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RDM: O fato do Brasil possuir déficit comercial no saldo da balança com os Estados Unidos ao invés de superávit, pode nos dar uma boa margem na mesa de negociação?

Welber Barral: É, tem que ser uma coisa na mesa de negociação. Por quê? A justificativa, inclusive, jurídica para a lei de emergência econômica, que é a lei americana, é o montante do déficit comercial americano. Essa era a justificativa jurídica. Tanto que, no 2 de abril, a tarifa anunciada dependia somente do montante de déficit comercial. Por isso que alguns países pobres, igual o Laos, ficou com 70%, uma coisa parecida. E aí o Brasil ficou com 10% porque tem um déficit com os Estados Unidos. Então esse é um elemento de negociação, até argumento jurídico, que o Brasil tem. Ao contrário do que diz a carta. Mas se vocês observarem a carta, tem várias expressões que estão copiadas em todas as cartas. Então tem alguém que copiou, colou e não prestou atenção. Então, o Brasil vai indicar isso seguramente da questão de que o Brasil não contribui para o déficit comercial americano. Ao contrário, eles têm o superávit há mais de 15 anos com o Brasil.

 

RDM: A retaliação é viável? Se sim, em quais produtos?

Welber Barral: O Brasil tem dificuldade em retaliar importações dos Estados Unidos porque a grande maioria da importação dos Estados Unidos é consumo, máquinas, equipamentos, petróleo e derivados. Então é muito difícil o Brasil retaliar porque você vai punir sua própria indústria.

 

RDM: É possível alguma retaliação pontual?

Welber Barral: Você retalia contra algum tipo de whisky, você retalia contra alguma fábrica que fica no condado do líder republicano. Então você faz, cria alguns casos irritantes. Isso é natural na negociação. Agora, a lei de reciprocidade brasileira permite também a retaliação cruzada, que é a retaliação em propriedade intelectual de serviços. Que aí sim tem um efeito muito grande, até porque o Brasil tem um déficit de serviços muito grande com os Estados Unidos. O Brasil é um grande importador de serviços e de propriedade intelectual dos Estados Unidos. E nessa questão aí tem também o óleo diesel refinado, que vai bruto para lá e volta… É, o Brasil não tem capacidade de refinar todo o petróleo, então o Brasil exporta petróleo bruto e importa derivados dos Estados Unidos.

 

RDM: Então a quebra das patentes, por exemplo, poderia ser um elemento de negociação?

Welber Barral: Foi a ameaça de quebra de patentes que levou à negociação do algodão em 2009, 2010. Então é um argumento importante, embora seja um argumento muito grave em que você está afetando direitos privados, está afetando contratos, como o Trump está fazendo agora com o Brasil.

 

RDM: Em que ponto isso poderá ou deverá chegar à OMC, por exemplo?

Welber Barral: O Brasil já poderia… Bom, vamos lá. Desde o começo do governo Trump ele já vem violando cláusulas da OMC, principalmente o artigo 1º e o artigo 3º do GATT, que é o tratamento nacional, os produtos de chamada nação mais favorecida. O acordo que ele fez com a Inglaterra, com o Reino Unido, por exemplo, criando uma cota para veículos do Reino Unido, viola os acordos da OMC. Então já tem vários acordos sendo violados no plano da OMC. Agora, o Brasil provavelmente vai reclamar na OMC, até para manter a institucionalidade, embora não tenha efeito prático imediato. Para manter a institucionalidade da OMC, o Brasil deve reclamar após ter uma medida direcionada ao Brasil.

 

RDM: A OMC, no momento atual do geopolítico, é só uma reclamação, não é?

Welber Barral: Veja, teoricamente você poderia ter um contencioso, só que o Brasil já teve vários, inclusive contra os Estados Unidos. Mas um contencioso é um processo longo, falando de três, quatro anos. Então não é para agora em 1º de agosto. Nós não temos uma medida imediata. O Brasil provavelmente vai reclamar na OMC, eventualmente começar um contencioso, mas nós estamos falando de um processo de longo prazo. Mas que é importante. Importante para mostrar, inclusive, que o Brasil continua seguindo as regras multilaterais. 

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