Por Douglas Cardoso Silveira, especialista em Direito do Trabalho, proprietário da DSA ADVOCACIA
A flexibilização das relações de trabalho ganhou força no Brasil nos últimos anos, impulsionada por avanços tecnológicos, mudanças nos modelos de negócio e reformas legislativas, como a Reforma Trabalhista de 2017 (Lei nº 13.467/2017).
No entanto, sob a justificativa da “modernização” das relações laborais, tornou-se comum a adoção de formas contratuais que buscam mascarar vínculos empregatícios por meio da chamada pejotização ou da contratação como autônomo.
Esse fenômeno vem se mostrando um dos principais focos de judicialização no Judiciário trabalhista, com milhares de ações em que trabalhadores buscam o reconhecimento do vínculo de emprego, e, com ele, o acesso aos direitos mínimos assegurados pela CLT.
Pejotização e contratos de autônomos: o que está em jogo
A pejotização ocorre quando um trabalhador é compelido a abrir uma pessoa jurídica para prestar serviços a um contratante, com subordinação, habitualidade, pessoalidade e onerosidade — os elementos típicos da relação de emprego (art. 3º da CLT) —, mas sem os direitos trabalhistas correspondentes.
Já os contratos de autônomos são frequentemente utilizados para formalizar uma prestação de serviço contínua, mas com controle de jornada, exclusividade e dependência econômica, o que também configura fraude.
Apesar de ambas as formas serem lícitas quando utilizadas dentro dos parâmetros legais, o que se observa na prática é seu uso desvirtuado como instrumento de precarização das relações de trabalho, afrontando o art. 9º da CLT.
Precarização travestida de empreendedorismo
O discurso da “liberdade contratual” e do “empreendedorismo” esconde, muitas vezes, uma lógica de redução de custos à custa da proteção social. Empregadores supostamente transferem os riscos do negócio ao trabalhador e reduzem encargos trabalhistas e previdenciários, enquanto os trabalhadores perdem acesso a direitos básicos, como 13º salário, férias, FGTS, horas extras, estabilidade, entre outros.
Essa lógica desprotege especialmente jovens, mulheres e trabalhadores com baixa escolaridade — justamente os grupos mais vulneráveis —, promovendo uma falsa sensação de autonomia que, na prática, significa desamparo legal.
Entendimento dos tribunais: TST e STF em defesa da realidade dos fatos
O Tribunal Superior do Trabalho (TST) tem reiterado que a forma contratual não afasta a proteção legal quando presentes os elementos da relação de emprego. Em decisões recentes, a Corte tem reconhecido vínculos empregatícios mesmo diante de contratos formais de PJ ou de prestação de serviços autônomos, quando verificada a subordinação estrutural ou direta.
Em meio a esse cenário, uma decisão recente do Supremo Tribunal Federal reacendeu o debate sobre os limites entre autonomia contratual e fraude trabalhista.
No Agravo em Recurso Extraordinário (ARE) 1.532.603, o ministro Gilmar Mendes determinou a suspensão nacional de todos os processos que discutem a licitude da contratação de pessoa jurídica ou autônomo para prestação de serviços — medida com implicações profundas para o futuro das relações de trabalho no país.
Riscos para empresas e para a economia
Além de representarem grave violação à dignidade do trabalho, essas práticas expõem as empresas a passivos trabalhistas vultosos, fiscalizações, autuações por parte da Receita Federal e do Ministério do Trabalho, e riscos reputacionais.
No médio e longo prazo, a precarização das relações de trabalho também compromete a arrecadação previdenciária, agrava a informalidade e enfraquece o mercado consumidor interno, dado que trabalhadores precarizados têm menor capacidade de consumo e acesso limitado à seguridade social.
Conclusão: entre o combate à fraude e a proteção ao
trabalho digno
O desafio contemporâneo é equilibrar a necessidade de flexibilidade das empresas com a preservação dos
direitos fundamentais dos trabalhadores. O reconhecimento judicial do vínculo de emprego, nesses casos, é mais do que uma discussão contratual — trata-se da afirmação da dignidade da pessoa humana e da centralidade do trabalho na ordem econômica e social do país.
O combate à pejotização e ao uso indevido dos contratos de autônomos não é um entrave ao empreendedorismo, mas sim uma barreira à fraude. E onde houver fraude, o Judiciário continuará afirmando a prevalência da realidade sobre a forma.



























