“Não vamos perder receita com a Ferrogrão; estamos nos reinventando para evitar isso”

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O prefeito de Rondonópolis, José Carlos do Pátio, comenta nesta entrevista sobre a chegada dos trilhos de nossas ferrovias a Mato Grosso, dentro da série que o Grupo Rede de Mídias publica sobre o assunto

Por Denilson Paredes, especial para a RDM MT Sul-Leste S/A

Prefeito pela terceira vez da cidade mais importante do interior de Mato Grosso, José Carlos Junqueira de Araújo, ou simplesmente Zé do Pátio, é o gestor que melhor sentiu os impactos positivos do aumento da arrecadação de impostos causado pela chegada dos trilhos da Ferronorte e a instalação do maior terminal ferroviário da América Latina. Ele viu o orçamento da cidade crescer de R$ 538 milhões anuais para mais de R$ 2,1 bilhões em 2023 e a cidade agora começa de fato a colher os frutos dessa nova realidade, com a intensificação da realização de obras estruturantes e de lazer para a sociedade local, além de universalizar serviços como o esgotamento sanitário e a educação infantil.

Pátio é um desses gestores que querem casar o desenvolvimento econômico com o social e tem visto sem maiores preocupações a possibilidade da ampliação da malha ferroviária no estado, com a construção de novos terminais, o que em tese provocaria a diminuição no ritmo de negócios e de arrecadação de impostos na cidade. Para ele, o poder público tem a capacidade de investir na atração de novas empresas, ao mesmo tempo em que fortalece as empresas locais já existentes, como forma de escapar de possíveis prejuízos.

Ele recebeu a reportagem da RDM MT Sul-Leste S/A em seu gabinete e nos concedeu a entrevista que você pode conferir a seguir:

RDM MT Sul-Leste S/A – Quais foram os benefícios, do ponto de vista da administração pública e da economia local, da chegada dos trilhos da Ferronorte e da instalação do Terminal Ferroviário em Rondonópolis?

José Carlos do Pátio Junqueira Araújo – Essa nova forma modal de transporte, de produtos e matéria-prima, a soja para exportação através da ferrovia, facilitou não só para Rondonópolis, mas para todo o interior de Mato Grosso e todo o interior do país. Hoje nós somos praticamente um terminal anexo ao Porto de Santos para a exportação de toda a produção agrícola da região Centro-Oeste. Todos trazem a soja de caminhão para cá e ela vai de trem para Santos, o que barateia os custos. E realmente agrega valor na nossa economia.

RDM MT Sul-Leste S/A – E o que isso significou em termos de arrecadação de impostos e na geração de emprego e renda para a população local?

Zé do Pátio – A arrecadação não é tão expressiva porque toda a exportação tem a Lei Kandir (lei que isenta de impostos a exportação de produtos não-industrializados). Então, não há tanto. A única forma seria nós agregarmos valor na nossa produção. Mas nós temos aqui as duas maiores indústrias de óleo de soja da América Latina, que são a ADM e a Bunge. E isso faz com que a gente agregue valor na nossa produção. Mas a grande produção de soja para exportação não tem o retorno que a gente teria de receita. O que dá a receita é essa movimentação das carretas aqui, o deslocamento dos municípios para cá. Isso dá um retorno significativo, mas as commodities não dão o retorno que nós esperávamos. O que me deixa contrariado nesse caso é que o Rio de Janeiro recebe os royalties do petróleo, mas nós não temos os royalties da soja. Muito pelo contrário: nós estamos isentando e garantindo a balança comercial do Brasil, mas não estamos tendo uma forma de reciprocidade. O Rio de Janeiro exporta petróleo e ganha por isso. Nós não.

RDM MT Sul-Leste S/A – E especificamente sobre a questão da Ferrogrão, que vem do Pará até Sinop, onde terá um terminal ferroviário de carga, desviando parte do fluxo da produção agrícola que vem até aqui atualmente para ser embarcada. Isso pode causar uma diminuição na arrecadação de impostos da cidade. Isso o preocupa?

Zé do Pátio – Eu acho que existe uma dinâmica no próprio país que nós temos que seguir. Por exemplo, está saindo uma ferrovia do Porto de Santos que vai até o Chile passando pelo Paraguai. E nós vamos acabar exportando toda a nossa produção através do Porto do Chile, que vai diminuir mais de dez dias o transporte da soja para a Ásia, que é o maior mercado consumidor nosso. Nós exportamos mais para a China e para a Indonésia. Então, eu acho que nós temos que nos reinventar, nos redimensionarmos a princípio. A ferrovia vem e ela tem a sua continuidade. Tem também a Ferrovia Norte-Sul, tem essa ferrovia que vai interligar o Porto de Santos até o Chile. Então, as coisas estão acontecendo e nós temos que nos mexer, nos redimensionarmos. Não dá para parar a roda. Hoje nós somos o maior importador de fertilizante, que vem principalmente da Rússia e da Bielorrússia, e aqui temos várias indústrias fazendo a mistura desse fertilizante para a venda no mercado. Rondonópolis está gradativamente evoluindo nas discussões. Há pouco conversamos com um grupo de empresários interessados em construir uma planta de produção de etanol de milho. Quer dizer, a cidade está sempre procurando buscar novos caminhos. Esse é o nosso propósito. Hoje nós temos cinco distritos industriais e estão todos lotados. Já estamos pensando em criar um sexto. E estamos colocando infraestrutura básica em todos os distritos, pois tinha distrito com 40 anos que não tinha asfalto. Nós estamos concluindo isso esse ano para já pensarmos em um novo distrito industrial na cidade. Não podemos parar.

RDM MT Sul-Leste S/A – E a forma de contornar essa possível crise seria atrair novas empresas?

Zé do Pátio – Lógico. Uma coisa que eu descobri já no meu terceiro mandato é que é muito melhor nós valorizarmos as próprias empresas do município. A alguns anos fui atrás de trazer para cá a Facchini (indústrias de carrocerias e carretas) e arrumei para eles uma das áreas mais nobres da cidade com quase 30 hectares. E por incrível que pareça, até hoje eles só construíram um barracão e mais nada. Então, não adianta você forçar a empresa a se instalar aqui. A estratégia que usamos atualmente é privilegiar as empresas que existem na cidade e colocá-las nos distritos industriais. E nós temos o Codipi (Conselho de Desenvolvimento Industrial) que incentiva. A prefeitura dá a infraestrutura básica e incentiva eles a se instalarem ali. Nós estamos intensificando isso no momento. Para se ter uma ideia, acabamos de asfaltar o Distrito Razia, estamos asfaltando o Distrito Vetorasso, o Antigo, o da Vila Operária e já programamos asfaltar um prolongamento do Distrito Razia. Nenhum prefeito antes investiu tanto nos distritos industriais da cidade. E com essa infraestrutura, as empresas já instaladas vão investir ainda mais e ampliar os negócios deles.

RDM MT Sul-Leste S/A – Mas com essas novas vias de embarque e escoamento da produção, o movimento diminui em Rondonópolis como um todo. As áreas do comércio, serviços e outros serão afetados. O senhor já tem algum estudo que demonstre o tamanho desse prejuízo para a cidade?

Zé do Pátio – Primeiro é preciso dizer que a produção continua crescendo, outras regiões continuam crescendo. O que é preciso entender é que o bolo está crescendo e todos estão ganhando. O nosso V.A. (Valor Agregado) está crescendo e em todos os municípios de Mato Grosso. Eu não acredito que nós vamos perder receita com isso. Nós estamos nos reinventando para evitar isso. E outra coisa, para atingirem a estrutura que Rondonópolis já tem demora muito. E o setor empresarial continua investindo. As grandes indústrias de fertilizantes estão se instalando aqui. É um novo mercado que está tendo. Até elas pensarem em irem se instalar em outras regiões, nós já avançamos em políticas públicas e outras empresas já terão vindo se instalar aqui. Por exemplo: hoje nós temos aqui uma fábrica de cerveja, a Petrópolis, e daqui a alguns dias a nossa exportação de bebidas pode aumentar e gerar novas receitas. Isso sem contar que o maior destino da nossa exportação é a Ásia e o melhor porto por enquanto é o de Santos. Nós não exportamos para a Europa e Estados Unidos, que aliás é nosso concorrente. A nossa posição geográfica é muito privilegiada. Ou seja: mesmo que aconteça alguma coisa, nós vamos ter tempo e temos todas as condições de nos redimensionar. E nós temos o custo de vida mais barato que em Sinop, Lucas ou Primavera. Porque temos uma estrutura de serviços públicos melhor. E as empresas querem se instalar onde o trabalhador tenha melhores condições de vida, mais estabilidade. Hoje nós universalizamos a educação infantil, a rede de esgoto, nunca faltou água na cidade, temos aterro sanitário.

RDM MT Sul-Leste S/A – E sobre a possiblidade de instalação de um porto seco em Rondonópolis? Como o senhor vê essa possibilidade? É algo concreto?

Zé do Pátio – A discussão existe, mas não há nada concreto. Mas seria muito bom. Já imaginou um porto seco aqui e tudo sair direto para o Porto de Santos? Seria muito positivo.