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domingo, maio 12, 2024
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Usina Itaicy, que já foi pioneira, hoje pode ser confundida com uma construção mal assombrada

Vanessa Moreno

Em Santo Antônio de Leverger, às margens do Rio Cuiabá, uma construção antiga, com um misto de abandono e mistério, levanta o questionamento: é mal-assombrada? O acesso é feito de barco e, ao entrar na propriedade, somos recebidos pelos 29 cachorros que residem no local. São eles que indicam que há gente no território e, em seguida, surge o morador, Francisco Miguel dos Santos Júnior, de 52 anos, que mora e cuida da propriedade há 12 anos, tendo como principal objetivo preservar a história.

“Eu gosto daqui, me identifico aqui, me sinto bem”, conta Francisco, que divide o seu tempo com a sua profissão de pescador e com a zeladoria do local.

Usina Itaicy está a uma distância de 80 km da capital Cuiabá (Foto: Tchélo Figueiredo)

A Usina Itaicy está a uma distância de 80 km da capital Cuiabá. Reconhecida por sua relevância no processo de industrialização e como pioneira na região, ela não se destaca apenas pelo prédio impressionante, mas representa uma época de transformação e produção característica para Mato Grosso. Em 8 de janeiro de 1984, a usina foi oficialmente tombada e reconhecida pela Portaria n° 55/84, mas a história começou muito antes. Em 1897, surgia a estrutura que representaria a transformação da cultura e das relações sociais e econômicas no cenário da industrialização em Mato Grosso.

A propriedade da figura lendária Antônio Paes de Barros, conhecido como Totó Paes de Barros, que foi presidente do Estado, tinha três pisos, com um alpendre nos fundos que abrigava a maquinaria de limpeza e separação da matéria-prima, a cana, que produzia 80 mil toneladas de açúcar por ano e 160 mil litros de cachaça por mês. Além disso, o complexo industrial incluía uma vila especialmente construída para abrigar cerca de 1000 operários, contando com uma igreja, escola, farmácia, padaria e outros serviços essenciais, além de aulas de música para as crianças. Era praticamente uma comunidade habitacional, proporcionando aos trabalhadores uma infraestrutura completa. A grandiosidade do empreendimento era tamanha que até mesmo uma banda de música foi formada para entreter os moradores com festas noturnas realizadas aos domingos.

Maquinário que produzia 80 mil toneladas de açúcar por ano e 160 mil litros de cachaça por mês (Foto: Tchélo Figueiredo)

Em um período marcante, a Usina Itaicy inclusive cunhou sua própria moeda, utilizando moldes provenientes da Casa da Moeda, no Rio de Janeiro. Com uma antiga prensa de papel adaptada, eles começaram a imprimir o dinheiro, demonstrando a capacidade e a importância que a usina possuía na época. A matéria-prima produzida no local era importada via fluvial para países como Argentina e Paraguai, num tempo em que o Rio Cuiabá tinha capacidade para receber grandes embarcações.

A Usina Itaicy também foi responsável pela introdução da energia elétrica em Mato Grosso, um marco histórico para o estado. Apesar de toda sua gloriosa existência, a partir de 1957 a usina entrou em declínio devido à competitividade dos preços das usinas mais modernas localizadas nos estados do Nordeste e de São Paulo. No entanto, seu legado como um marco na história industrial de Mato Grosso permanece vivo e mesmo que por pouca gente, ainda é valorizado.

Francisco Miguel dos Santos mora no local há 12 anos e vive na companhia dos seus 29 cachorros (Foto: Tchélo Figueiredo)

“Eu vim pra zelar, não deixar as pessoas entrarem sem autorização, para não pegarem nada e pra não sair parte da história, porque tirando cada pedacinho desse aqui, vai ficar menos história”, disse Francisco Miguel que além de cuidar, admira cada detalhe que a história deixou. É ele quem guarda todo objeto localizado durante o seu trabalho de limpeza e conservação da Usina e todos eles são preservados com cuidado para a posteridade. Francisco é natural de Campo Grande, mas está no estado desde 1975 “já me sinto um cuiabano”, ressaltou. “Sou um pescador profissional, os donos me encontraram ali em cima, já conheciam meus pais e me convidaram pra ficar aqui: “toma conta lá e mantém sua vida pescando”, disseram e eu estou aqui há 12 anos e gosto”, completou.

A deterioração é o retrato do abandono de uma construção que já foi uma usina pioneira na região (Foto: Tchélo Figueiredo)

Hoje, o prédio, não menos imponente, tem suas portas e janelas completamente deterioradas pelo tempo. As paredes também sofreram o mesmo desgaste. Ainda é possível ver parte dos maquinários que já estiveram em pleno funcionamento e andar nas dependências térreas da Usina. Na fachada da farmácia, o tempo quase apagou a inscrição “Pharmácia”, como usava-se na língua portuguesa antigamente. Na casa do Totó Paes de Barros, preservados estão o guarda-roupa, o cofre, o piso, o banheiro e a banheira. De resto, só ficou paredes, exceto a igreja, que é a dependência mais conservada.

“Enquanto eu tiver podendo estar aqui, eu quero que a história continue e não só pra mim, pra todos que quiserem visitar um lugar que tem história, pra quem gosta da história”, garante Francisco.

Para visitar o local, é preciso autorização, agendamento prévio e o acompanhamento de um guia de turismo. O agendamento deve ser feito pelo telefone (65)99979-3495.

Santo Antônio de Leverger

A cidade de Santo Antônio de Leverger, inicialmente denominada Santo Antônio do Rio Abaixo, tem suas origens intimamente ligadas à cidade de Cuiabá. Conta a história que uma expedição paulista navegava nas águas do Rio Cuiabá em busca das minas de ouro descobertas por Miguel Sutil, quando a embarcação encalhou em um banco de areia. Religiosos, os canoeiros decidiram deixar no local uma imagem de Santo Antônio que carregavam com eles e, para a surpresa de todos, o barco se soltou, permitindo a continuação da viagem. O evento levou à construção de uma capela dedicada a Santo Antônio, marcando o início da devoção ao santo na região.

Usina Itaicy vista de longe, às margens do Rio Cuiabá (Foto: Tchélo Figueiredo)

A cidade também presta homenagem a Augusto João Manoel Leverger, conhecido como Barão de Melgaço. Nascido na França, Leverger dedicou grande parte de sua vida às causas de Mato Grosso, sendo presidente da Província em várias ocasiões. Santo Antônio de Leverger ainda é conhecida como a Terra de Rondon, pois é a cidade onde nasceu o Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon, conhecido como Marechal Rondon, que deixou um legado significativo na história do Brasil como engenheiro militar e sertanista. Nascido em 5 de maio de 1865, em Mimoso, e falecido em 19 de janeiro de 1958, no Rio de Janeiro, Rondon ficou eternizado por suas explorações em Mato Grosso e na Bacia Amazônica Ocidental, por sua contribuição para a proteção das populações indígenas brasileiras e seu apoio à criação do Parque Nacional do Xingu. Rondon também é reconhecido como o patrono das Comunicações.

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