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Resolução amigável de conflitos

No dia 11/02/2022 tive a honra de ser convidado para participar da 38ª Conferência de Direito realizada pelo Pembroke College, Univeristy of Oxford, na Inglaterra.

No evento alguns alunos e ex-alunos de ensino superior desse Colégio são convocados a trocar experiências e debater sobre os temas mais importantes para a sociedade global. Em 2022 estavam presentes as três mais altas autoridades do sistema jurídico do Reino Unido, aos quais fui apresentado pelo meu mestre e Reitor Sir Ernest.

O barão Ian Burnett estudou em Pembroke, foi o conferencista da noite e atua como Chefe da Justiça, cargo que poderia ser equiparado no Brasil ao Presidente do Superior Tribunal de Justiça – STJ (https://en.wikipedia.org/wiki/Ian_Burnett,_Baron_Burnett_of_Maldon).

O Lord Ernest Ryder é o Presidente dos Tribunais Ingleses e do País de Gales, função que poderíamos comparar ao Presidente do Conselho Nacional de Justiça – CNJ. Ele comandou a Conferência Blackstone do último dia 11 e atua como Reitor de Pembroke (https://en.wikipedia.org/wiki/Ernest_Ryder).

Acordos financeiros e comerciais podem ser celebrados permitindo aos contratantes a ampla escolha das regras que serão utilizadas em uma eventual e futura resolução de conflito

E o barão Robert John Reed desempenha desde 2020 o ofício de mais alta autoridade jurídica do Reino Unido como Presidente da Suprema Corte (https://en.wikipedia.org/wiki/Robert_Reed,_Baron_Reed_of_Allermuir).

Na explanação do Lord Burnett foi possível compreender porque Londres é o centro de mediação e arbitragem mais procurado no mundo para a resolução de conflitos comerciais. Inclusive a lei é entendida como um negócio lucrativo pelos britânicos, já que ela gera vasta receita, emprega milhares de pessoas e contribui significativamente para o recolhimento de impostos.

Desde a revolução industrial, no século XVIII, os ingleses não deixaram de estar atentos para as inovações exigidas pelo rápido desenvolvimento da sociedade. Desse modo, buscaram conferir à lei inglesa confiabilidade e flexibilidade. Embora em um primeiro momento essas características possam parecer inconciliáveis, é justamente a harmonização entre elas que confere o histórico sucesso do Direito Comercial inglês.

Num cenário de rápida expansão digital, fomentada inclusive pelas restrições físicas impostas pela Pandemia de COVID-19, os negócios não podem parar e a lei inglesa fornece uma plataforma global confiável para negociações.

Acordos financeiros e comerciais podem ser celebrados permitindo aos contratantes a ampla escolha das regras que serão utilizadas em uma eventual e futura resolução de conflito. O local em que essas normas serão executadas também pode ser previamente definido. Isso porque os britânicos aplicam com rigor a máxima que vem do Direito Romano de que “o contrato é lei entre as partes”.

Ilustrativamente, é curioso e extremamente prático que uma multinacional norte-americana possa recorrer à lei britânica para fechar negócio milionário de fornecimento de matéria prima com uma empresa Chinesa, e que ambas escolham aplicar alguns dispositivos do Direito Italiano em caso de futura desavença, que será solucionada por um arbitro experiente, capacitado e imparcial de Londres.

A estabilidade do Direito Britânico é a chave do sucesso. Antes mesmo de uma disputa judicial ter início as partes já sabem como o caso será julgado. Isso atua nas pessoas como um freio sobre comportamentos inadequados em todas as áreas da vida, e faz com que a própria execução judicial da lei não seja usualmente desnecessária.

A constante alteração de entendimento sobre como aplicar a lei de um país retira a estabilidade e torna imprevisível as suas próprias regras, abalando a segurança que se espera de um Estado de Direito.

Os investidores de nível internacional estão atentos a esse grau de confiabilidade e sem dúvidas optam por fechar seus contratos em uma jurisdição que alie baixo custo nas negociações, certeza de não haver excesso de tributação ou expropriação estatal, baixa perspectiva de corrupção e rápida resposta legal ao desenvolvimento tecnológico.

Permitindo a reunião de todos esses quesitos, a lei inglesa é bem aceita internacionalmente porque é capaz de introduzir certeza e clareza em um espaço jurídico de rápida evolução, como é o caso do Direito Digital.

Nos meios físico ou virtual o Estado de Direito é rigorosamente respeitado através da utilização de ferramentas úteis como o sistema blockchain, que pode ser definido com um livro digital de transações, que é duplicado e distribuído por toda a rede de sistema de computadores, impedindo assim que seja hackeado ou adulterado.

Uma das informações que pode ser armazenada no blockchain são os smarts contracts, ou contratos inteligentes. Eles correspondem propriamente aos acordos celebrados virtualmente a partir de uma chave privada de segurança, cujo documento é inalterável e pode ser enviado automaticamente para qualquer lugar do planeta, sem a intervenção de terceiros, e com a opção de proteger o anonimato das partes. Esses instrumentos virtuais são aliados aos critoativos-financeiros e às criptomoedas para criar um ambiente de assunção de compromissos respeitável.

Em abril de 2021 os ingleses criaram as regras de Resolução Digital de Disputas, as quais permitem que árbitros ou especialistas implementem decisões diretamente sem a necessidade da reunião presencial dos envolvidos.

Existe uma verdade força-tarefa dos acadêmicos das áreas de Negócios e de Direito, dos juristas ingleses de notória experiência e respeitabilidade e dos melhores técnicos das mais diversas áreas do conhecimento para manter essa posição estratégica do país, na condição de aliado da evolução digital.

Os números apresentados na conferência Blackstone pelo barão Burnett não deixam dúvidas de que o Tribunal Comercial e de Arbitragem de Londres ainda hoje é o mais requisitado do planeta, mesmo tendo Nova Iorque, Cingapura, Dubai e o Catar buscado estabelecer Tribunais Internacionais de Conciliação e Mediação similares, de olho na lucratividade do setor.

Isso, como já dito, se deve à atenção dada pelo Estado britânico à demanda do setor de negócios por uma legislação que permita a contratação segura, eficaz, respeitável e propícia à ágil resolução de desavenças.

Traçando um comparativo com o exemplo inglês e sendo o Mato Grosso a referência brasileira do agronegócio, fica a seguinte indagação: será que o Brasil vem conferindo a devida atenção à evolução legislativa aplicável ao mercado de negócios?

Essa reflexão contém considerável repercussão sobre os rumos do crescimento econômico do país, e apesar de serem intensas as questões internas e imediatas com saúde e educação, se os setores Legislativo e Judiciário brasileiros não aliarem forças na construção de uma imagem internacional confiável, inevitavelmente o Brasil, que agrega tanto potencial, corre o risco de perder espaço para outras jurisdições emergentes e mais atentas à evolução tecnológica e digital.

Rafael Nolasco é consultor de megaprojetos no Reino Unido

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