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quinta-feira, maio 16, 2024
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Evento discute potências e trajetórias das mulheres negras

Por Khayo Ribeiro, Gazeta Digital

Evento reuniu diversos segmentos sociais para discussão sobre as potências e trajetórias das mulheres negras. Encontro foi realizado na comunidade religiosa de matriz africana Ilè Okowoò Asé Ya Lomin’Osa – Egbé Òmórisá Sangó no bairro Jardim Universitário, em Cuiabá, nesse sábado (29).

Em roda, mulheres negras dialogaram seus processos formativos a partir de diversos contextos, destacando uma perspectiva racializada de luta. Evento foi realizado em alusão à data de 25 de julho, que marca o Dia Internacional da Mulher Negra, Latino-Americana e Caribenha.

A cada participação, o diálogo em construção mirava o futuro, mas sem perder a essência ancestral do passado. O processo de discussão, aberto e participativo, permitiu que representantes do audiovisual, movimento negro universitário, do político e acadêmico pudessem falar e serem ouvidas dentro de um espaço de acolhimento.

Divulgação

Roda de conversa no ilê

Egbomi Ana Beatriz, à esquerda, e Iyá egbé, à direita

Iyá egbé Suzi ty Osun, representante do espaço religioso, iniciou o evento rememorando o mito de criação do mundo. Na perspectiva yorubá, dentro da realidade das nações Ketu, a gênese da vida se dá a partir de uma figura feminina.

“Esse encontro é imensurável para a história do nosso ilê, mas também para a história dos religiosos de matriz africana. Nós tivemos representantes de várias entidades e isso mostra que estamos habilitados a falar de vários temas importantes, para além do sagrado”, disse a iyá egbé.

A partir da perspectiva cíclica de transmissão de saberes, a filha da iyá egbé e egbomi (irmã mais velha) da casa, Ana Beatriz ty Nanã, 8, reconheceu nas trajetórias trazidas para discussão elos com as histórias das mães ancestrais.

“O evento hoje foi importante porque eu vejo na história dessas mulheres negras muito do que ouço nas histórias de nossas ancestrais, como os orixás femininos. Ouvindo minha mãe falar, eu consigo entender como as mulheres negras lutaram para conseguir chegar onde estamos, onde eu estou”, disse a egbomi.

Diálogos em construção

Vereadora por Cuiabá Edna Sampaio (PT) contou sobre sua trajetória e destacou a importância da consciência de raça e organização coletiva do povo negro.

“A gente nunca vai conseguir vencer o racismo se a gente não conseguir perceber como ele se manifesta. E quem tem mais interesse em romper somos nós pessoas negras. Embora o racismo não seja nosso, porque é uma estrutura, a gente precisa saber o que é isso e podermos estabelecer alianças entre nós”, pontuou a parlamentar.

Presidente do Instituto de Mulheres Negras (Imune) e Centro Cultural Casa das Pretas, professora Nieta Costa destacou a necessidade constante de reflexão sobre o papel das mulheres negra, apontando a relevância do evento enquanto potencializador destas discussões.

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Roda de conversa no ilê

“A gente também falou do bem viver da mulher negra, que é importante de se fazer essa reflexão. Além de dar continuidade na luta, cobrar políticas públicas, a gente precisa cada dia mais falar do bem viver. E só neste momento podemos parar para fazer essas reflexões”, refletiu.

Pós-doutora em teoria e história literária, a professora da Universidade do Estado de Mato Grosso Walnice Aparecida Matos Vilalva fez falas sobre a representação dos corpos negros na literatura e destacou a importância da construção e outras representações sobre as mulheres e homens negros em diversos espaços.

“Pela história de cada uma, nós estamos reconhecendo a história do povo negro aqui em Mato Grosso e eu acho que isso precisa ser feito. Precisamos repensar todos os discursos midiáticos para repensarmos a imagem do povo negro, que na verdade é uma imagem de movimento, de luta e de resistência. Não tem uma história de um preto líder que não é uma história de luta”, ponderou.

Pós-doutora e professora da Universidade Federal de Rondonópolis Priscila Scudder se emocionou com as falas e destacou a trajetória de sua avó, que sempre quis estudar, mas nunca teve os meios que lhe garantissem acesso à educação.

Para ela, o evento representa também a somatória dos esforços de todas as ancestrais que caminharam para que suas filhas e netas pudessem alçar voos mais altos.

“O sonho dela era ser enfermeira, mas nunca pode. Ela nunca participou de uma discussão como essa. Então, eu penso que estar em um território sagrado, em um terreiro, em um lugar ancestral, eu estando eu honro minha avó”, afirmou.

Representante do Aquilombamento Audiovisual Quariterê, Juliana Segóvia, destacou a importância da construção de um setor audiovisual que efetivamente consiga pensar a diversidade da população negra, mas também falou sobre a necessidade da tomada de consciência quanto às estruturas racistas.

“Acho que quando temos uma consciência crítica desses atravessamentos que nos compõem, quanto mais a gente formata uma consciência sobre essas dimensões, a gente se prepara para se defender ou para se proteger. Na minha visão, quando antes a gente puder ter consciência melhor”, apontou.

Coordenadora do Coletivo Negro Universitário da UFMT, a graduanda Alice Marqueto pontuou sobre a possibilidade de construção de novas realidades a partir da união das mulheres negras.

“É importante a gente falar sobre nossas trajetórias e ouvir a das nossas irmãs, porque a gente nunca foi ouvida, nunca tivemos espaço para contar essas histórias. Estar aqui com outras mulheres e entender que conseguimos construir uma história juntas é gratificante”, disse.

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Roda de conversa no ilê

Babalorixá Bosco ty Sàngó no centro da imagem

Responsável pela condução do ilê, o babalorixá Bosco Ty Sàngó destacou para a necessidade de ser candomblecista e estar conectados às lutas sociais, sobretudo pela conquista de direitos das mulheres negras. Sacerdote apontou que o evento foi realizado dentro de um projeto maior da comunidade intitulado Existência, Resistência, Persistência e Consciência Negra.

“Essa formação coletiva e social demonstra que nossa casa de candomblé está conectada com as lutas da população negra, especialmente em se tratando de formação político/social de seus membros, visto que nossa existência é marcada pela resistência e essa resistência precisa ser persistida cotidianamente. E isso só acontece a partir da tomada de consciência de que somos negros, logo relegados ao silêncio”, afirmou o babalorixá.

“Eis a validade de rodas de conversa como esta realizada em nosso ilè, visando repercutir o protagonismo negro em diversas áreas sociais que a dita história oficial trabalha para tornar opaca. Aproveito a oportunidade para, em nome dos membros do Ilè Okowoo Asè Iya Lomin’Osa, agradecer a todas as representantes das instituições negras que se fizeram presentes no evento”, finalizou.

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