21 C
Cuiabá
terça-feira, julho 2, 2024
spot_img

De Mato Grosso para o Brasil

Conheça a história do artista mato-grossense que popularizou o lambadão no
Nordeste e em outras regiões do Brasil

Jean Gusmão

Tô, ex-vocalista da banda Stillo Pop Som, alcançou grande sucesso nos anos 2000 com seu CD pirata, que fez estourar não apenas em Mato Grosso, mas também fora do estado. O cantor José Adão, de 48 anos, mais conhecido como Tô, nasceu no distrito de Bauxi, em Mato Grosso. Aos cinco anos, mudou-se para a cidade de Rosário Oeste, localizada a 103,7 km de distância de Cuiabá. Sua influência musical veio de sua família, com uma tia que tocava percussão e um pai que tocava violão e acordeão, o que despertou nele uma paixão pelo violão.

Desde jovem, José frequentava as festas de santo realizadas na cidade onde morava. Um dia, teve a oportunidade de tocar na banda que se apresentava nos eventos locais, tocando vários ritmos musicais, principalmente o carimbó do Pará e o rasqueado. Essa participação marcou o início de seu envolvimento mais profundo com a música, que se tornaria sua futura profissão.

Em 1993, José decidiu se casar com sua namorada, aos 18 anos, o que o fez levar a música mais a sério para sustentar sua família. Entretanto, na banda em que tocava não houve acordo financeiro para um salário fixo, e ele precisou se afastar da música por um período, trabalhando em uma fazenda com seu pai, limpando pasto e colhendo sementes.

A música voltou à vida de José em 1994, quando foi convidado por três irmãos para integrar a banda Estrela Guia, na qual fazia parte dos vocais e tocava bateria, instrumento que havia aprendido sozinho na infância. Começaram a se apresentar nas festas da cidade, trazendo uma novidade para a região e participando de diversos eventos locais.

Passados quase dois anos, em 1996, Tô foi convidado por Sidinei para integrar a banda Stillo Pop Som, que tinha um ritmo eletrônico e um repertório de lambadão, em alta na época com o cantor Chico Gil. Na nova banda, ele migrou da bateria para a guitarra e passou a fazer vocais junto com Sidinei. Essa mudança foi mais viável, pois a banda já tinha uma agenda cheia de apresentações em toda a região, incluindo Rosário Oeste, Nobres, Diamantino, Nova Mutum, Nortelândia, Arenápolis, Jangada, Acorizal e outras localidades.

“Nessa época, surgiram Estrela Dalva e Chico Gil, o que enriqueceu nosso repertório. Aquilo que já era bom ficou muito melhor quando tocávamos as músicas de Estrela Dalva e Chico Gil”, pontua Tô.

Com o sucesso no interior, a banda Stillo Pop Som começou a ser bem recebida em Várzea Grande e Cuiabá, realizando shows na Baixada Cuiabana. Apesar do sucesso da banda, em 1998, Tô enfrentou uma crise em seu casamento, o que afetou seu desempenho profissional. Como consequência, ele teve atritos com o empresário da banda e, por isso, preferiu deixar o grupo.

“Foi um momento muito difícil, pois ela não conseguia olhar para mim. Acabamos nos separando, e essa separação foi especialmente dolorosa para mim, pois ela foi minha primeira esposa e já tínhamos uma filha. Nesse período, cheguei a tentar suicídio. Isso afetou minha atuação na banda, levando a discussões com Sidinei e, eventualmente, ao meu afastamento da banda”, lembra.

Com a saída de Tô da banda Stillo Pop Som, surgiram outras oportunidades para ele, incluindo um convite do músico e DJ Marcinho para montar um novo projeto de banda de lambadão, com o objetivo de gravar um CD. Esse projeto apresentava várias músicas que viriam a se tornar sucessos futuros. Após a gravação do CD, a banda ainda não tinha eventos agendados para apresentações, pois as músicas não eram amplamente conhecidas.

Tô foi um dos responsáveis por levar o lambadão para além dos limites e divisas.

No entanto, em certo dia, as músicas do CD explodiram em Cuiabá e Várzea Grande, tocando em diversos locais da cidade. Essas músicas com ritmo de lambadão ultrapassaram barreiras e alcançaram a região Nordeste, fazendo sucesso em estados como Ceará, Rio Grande do Norte, entre outros.

“Nossas músicas estouraram em Cuiabá e chegaram até o Nordeste. No entanto, as pessoas do Nordeste não sabiam quem eram os cantores da música que estava fazendo sucesso por lá. Como havia um estilo no Ceará chamado Banda Estilo do Forró, as pessoas ligavam para Joabe, perguntando sobre o lambadão que estava estourando. No começo, Joabe negava, dizendo que não era ele e que não sabia de onde vinha aquele ritmo.” 

No entanto, Tô lembra que, apesar do sucesso do CD, os shows não estavam acontecendo porque começaram a surgir várias bandas com o mesmo nome na Baixada Cuiabana. Diante disso, ele decidiu deixar novamente a banda, após discussões com o proprietário, Marcinho. Desanimado com o projeto e mais de um ano depois, recebeu uma ligação do empresário artístico da Paraíba oferecendo um contrato para levar seu show para o Nordeste.

Depois da ligação, o empresário Pedro veio de Paraíba para Rosário com o objetivo de negociar os shows com ele. Eles fecharam um contrato inicial de 80 shows na região nordestina.

Na Paraíba, Tô começou a fazer shows, sendo sua primeira apresentação na Praça do Povo, em uma das maiores festas juninas do estado. Com o aumento do sucesso da banda na Paraíba, expandiu-se para outros estados, como Rio Grande do Norte, Maranhão, Alagoas e Bahia.

“Fomos para a Paraíba. Lá, um micro-ônibus nos esperava para irmos até Campina Grande. Fizemos um show em Alagoas, numa casa de shows da família Collor. O público estava enorme; nunca tinha visto algo assim antes. A abertura do nosso show foi feita pelo Falamansa”, recorda-se.

Depois do sucesso nessa apresentação, Tô recebeu outra proposta de Fernando, da Xodó Produções, o mesmo que cuidava da agenda da banda Calcinha Preta e da cantora Ivete Sangalo, entre outros artistas. Fernando comprou mais de 100 shows da banda Stillus, levando-os a se apresentarem em mais cidades, incluindo toda a Bahia e Minas Gerais. Eles também fizeram uma apresentação em uma rádio em São Paulo, o que resultou em 15 shows no estado. Após essa turnê em São Paulo, surgiu a oportunidade de se apresentarem no estado do Rio de Janeiro, com 10 shows, incluindo na Rocinha, no Complexo do Alemão e em uma escola de samba, além da cidade de Niterói. No entanto, durante esse período, ocorreu algo inesperado: o cantor Joab foi à televisão alegar que o ritmo do lambadão era dele e que Tô tinha feito plágio das músicas.

“Joab apareceu no Jornal Hoje da Globo, afirmando que o lambadão era deles, uma mistura de frevo com forró, e que aquelas músicas eram deles. Nós não nos preocupamos com as autorias, e a Xodó Produções nos disse que precisávamos voltar urgentemente para Cuiabá para obter as autorias dessas músicas. Chegando lá, fomos em busca de todos os autores, mas todos eles nos mostraram contratos que já haviam feito com Joab e não podiam mais liberar as músicas para ninguém. Ficamos em uma situação difícil. Então, fomos para Poconé atrás da família de Chico Gil e compramos algumas músicas que eram de autoria dele.”

Portanto, após gravarem os dois CDs com músicas inéditas, Tô retornou ao Nordeste com seu empresário, Xodó Produções. Tiveram uma agenda de shows no estado do Espírito Santo, porém as músicas não foram bem recebidas pelo público como o primeiro CD. Diante disso, o vocalista Tô começou a perder o ânimo com o projeto da banda e planejou sua volta para Mato Grosso. Ainda assim, a banda tinha muitos shows marcados no Ceará.

Ele decidiu cumprir os compromissos já contratados no Nordeste e, em seguida, voltar com sua família para Mato Grosso. De volta ao estado, Tô trouxe várias músicas novas de diferentes autores. Ele então pediu ao empresário Sidinei para retornar à banda Stillo Pop Som. Entretanto, o empresário estava um pouco ressentido por ele ter saído da banda anteriormente. Mesmo assim, a banda tinha um evento agendado e precisava do vocalista Tô. Foi durante essa apresentação na cidade de Cáceres que o sucesso da banda no estado começou a se consolidar.

“Quando cheguei aqui, o Sidnei ainda estava com raiva de mim. Fui até ele pedir para voltar a tocar com a banda. Surgiu um evento em Cáceres, e ele me perguntou se eu queria ir com ele. Fomos tocar lá. Enquanto estávamos passando o som, cantei ‘Vou Forrozar’. O técnico de som disse: ‘Essa música que vocês tocaram, têm mais músicas desse ritmo? Vamos fazer uma seleção. Vou gravar vocês hoje’”, pontua Tô.

Com a gravação ao vivo do show, a banda Stillo Pop Som continuou seus trabalhos de shows na cidade de Nobres. Em cada evento, ao final das apresentações, Tô cantava a música “Vou Forrozar”. A banda precisou retornar a Cáceres para outra apresentação, devido ao estouro das músicas na cidade. Através de CDs piratas, as músicas também começaram a ganhar sucesso em Cuiabá e Várzea Grande.

Natural de Bauxi, a música entrou na sua vida através de influências familiares.

Portanto, com esse êxito, foi necessário retornar para Cuiabá para realizar mais shows, incluindo apresentações em casas noturnas e na Expoagro. Diante do crescimento da banda, foi essencial contratar outro empresário na cidade, responsável pela parte administrativa e pela agenda de shows. Além disso, a banda fechou parceria com duas gráficas renomadas para ampliar a divulgação do nome e dos integrantes. Isso resultou na instalação de vários outdoors e na adesivagem dos ônibus da cidade com informações para contato de shows. Adicionalmente, foi gravado em estúdio um segundo CD.

“Tiramos as fotos e, na manhã seguinte, estávamos em outdoors por toda parte, anunciando ‘Stillo Pop Som – CD em breve nas lojas’. Júlio (empresário) fechou parceria com as gráficas Print e Atalaia, e isso foi um divisor de águas”, recorda.

A banda teve um grande sucesso em Mato Grosso, realizando diversos shows em várias cidades do estado, além de apresentações em Goiás e uma turnê em Rondônia. Com isso, Tô ganhou muito dinheiro, mas ele mesmo admite que não soube investi-lo, pois na época pensava apenas em gastar em coisas fúteis.

“Uma coisa que percebo agora é que quando você dá melado para uma criança, ela se lambuza, e isso aconteceu muito comigo. Não soube lidar e acabei gastando com muitas bobagens, mulheres… Ganhei muito dinheiro, mas gastei demais.”

Com o sucesso da banda, participando da Copa Gazeta Master, da chegada do Papai Noel no Verdão, além da parceria com a TV Centro América, que durou de 2002 a 2005, o fim da banda veio por causa de um calote de um candidato a prefeito de Cuiabá nas eleições municipais de 2004. A banda trabalhou exclusivamente na campanha do candidato, fazendo os famosos showmícios, com a promessa de pagamento ao final da campanha. No entanto, o candidato perdeu a eleição, deixando a banda sem receber pelos serviços prestados. Isso resultou em um prejuízo significativo, pois o empresário e os integrantes da banda haviam vendido suas casas, carros, etc., para investir na banda, incluindo instrumentos e pagamento da equipe técnica.

A banda Estilo Pop Som, na formação original, em um evento particular.

“O último show que fizemos foi na festa junina da Univag, para uma grande multidão, e dali em diante já estava decidido que Júlio não estaria mais empresariando a banda”, frisa.

Depois do fim da banda Stillo Pop Som em 2005, Tô persistiu na música e criou sua própria banda no ano seguinte. No entanto, não obteve sucesso como na banda anterior, pois só teve gastos sem retorno. A população não aceitava essa nova banda chamada Novo Stillo, o que levou ao encerramento dela.

Na época, Tô recebeu um convite para fazer parte da banda Os Amigos, e acabou ficando quase dois anos nela. Decidiu parar de tocar após o nascimento de seu terceiro filho. Com o afastamento da música, sua esposa e Tô encontraram refúgio na igreja, que se tornou um apoio nos momentos de dificuldade ao longo de sua vida.

“Então, eu me afastei da música e saí da banda Os Amigos. Não foi fácil. Do ano de 2006 até 2011, passei por momentos difíceis. Chegava em casa e olhava para o celeiro, lembrava das coisas, dos restaurantes, das experiências que vivi no Nordeste, até mesmo aqui com a banda Estilo. Ao olhar para minha situação, só conseguia chorar na época. Foi uma barra”, recorda Tô. 

Durante esse período de dificuldades, Tô ficou afastado da música e da mídia. Chegou a trabalhar como servente, pedreiro e promotor de vendas, pois precisava sustentar a família. No entanto, ele afirma que essa fase foi crucial para uma profunda reflexão sobre a vida.

“Esse período foi uma escola de aprendizado para mim. Você não planeja se não guarda, e eu achava que nunca ia acabar. Sempre dizia que amanhã ganharia mais dinheiro. Lembro que, na época, chegava em uma boate muito famosa aqui e mandava fechar a porta, dizia: ‘Quem está dentro, fica. Quem está fora, não entra mais’, e pagava tudo”, pontua.

Tô lembra que durante o sucesso muitas pessoas queriam ser seu amigo. No entanto, durante os seis anos de dificuldade que passou, muitas pessoas se afastaram dele, especialmente aquelas da alta sociedade de Cuiabá, com as quais ele tinha uma boa relação em épocas passadas. 

“Durante esse período, até mesmo os amigos do lambadão sumiram. Durante esses seis anos, não recebi visitas de ninguém, exceto do Júlio. Tenho uma gratidão muito grande por ele, porque, nesse período em que todos me abandonaram, Júlio foi o único que me ajudou”, recorda-se. 

Apesar das dificuldades, em 2011 Tô foi convidado a retornar para a banda Os Amigos, lançando novas músicas como “Chorei no banheiro”, bem recebida pelo público. Com uma agenda cheia de shows e participações em eventos, deixou a banda em 2014 para fundar a própria, a Tô Pop Som, da qual era proprietário. Entretanto, as atividades foram encerradas quando os músicos decidiram buscar melhores oportunidades em outras bandas. Tô foi então chamado para integrar a banda Sensação, mas a pandemia impediu os shows na cidade, levando-o a trabalhar como manobrista em uma garagem de ônibus para sustentar a família nesse período difícil. 

Sua trajetória cheia de altos e baixos o fez desistir do mundo musical para empreender

Apesar disso, recebeu uma proposta da banda Mega Som, porém a rotina tornou-se muito pesada ao tentar conciliar a música com o trabalho de motorista de ônibus. Decidiu então sair após um desentendimento com o empresário. Em seguida, surgiu outra proposta da banda Ellus. No entanto, a rotina ficou muito intensa ao tentar conciliar ambos os trabalhos, levando Tô a decidir sair da banda Ellus e da empresa de ônibus para se dedicar mais à vida autônoma. Hoje, ele trabalha em família vendendo churros na frente da Riachuelo, de onde tira o sustento para sua família. Tô não pretende mais voltar aos palcos e encerrar definitivamente sua carreira musical noturna.

Atualmente, Tô vende churros em frente à loja Riachuelo, no centro de Cuiabá. ( Foto: Tchélo Figueiredo)

“Eu tenho convites das bandas o tempo todo, mas é que, hoje, após ter vivido o que já vivi, não tenho mais vontade de voltar a tocar.”

No entanto, Tô afirma que o lambadão faz parte de metade de sua vida. Ele espera que o futuro do lambadão inclua suas próprias composições musicais regionais, mantendo o legado que outras bandas anteriores deixaram ao terem suas músicas próprias e alcançado grande sucesso no estado. Para ele, uma banda com autoria musical própria não perde sua identidade principal no lambadão.

“O futuro do lambadão, eu creio, não tem muito o que falar disso, pelo que está acontecendo hoje. Eu já vi isso acontecer lá no Nordeste, quando o pessoal parou de tocar as músicas regionais e começou a tocar sertanejo no lugar do forró, e não deu certo. Muitas daquelas bandas não existem mais. Então, o que acontece aqui ao colocar o sertanejo no lambadão é passageiro. Eu vejo que mais cedo ou mais tarde isso vai para um lugar que não é positivo, porque não é daqui, não é nossa raiz mesmo. O lambadão, o rasqueado com bandas como Scorte Som, Os Maninhos, Estrela Dalva, Stillo Pop Som, tocavam suas próprias músicas. Hoje em dia isso é raro. Então, fica algo sem identidade”, ressalta Tô.

Diante disso, Tô menciona que aqui na Baixada Cuiabana há vários compositores talentosos, dos quais a banda poderia adquirir os direitos musicais. No entanto, ele destaca que as bandas se acostumaram com o modismo atual, pegando músicas sertanejas prontas e adaptando para o ritmo do lambadão. Apesar disso, ele acredita que deixou um legado no ritmo do lambadão, especialmente com sua inovação na batida da música, que hoje serve de referência para os jovens músicos que tocam lambadão. Deseja contribuir significativamente para a música, especialmente para os iniciantes no ritmo, mostrando que podem alcançar voos mais altos. Seu objetivo é expandir o alcance do ritmo para outros estados.

“Oriento essa nova geração de que nosso lambadão pode sim romper essa barreira do estado, pode ir para fora, pode estourar, mas precisa de composições próprias, precisa ser um trabalho de casa. Jamais esqueçam das raízes. Pode acontecer o que for, mas a essência começou com Chico Gil, Estrela Dalva, Os Maninhos, Stillo Pop Som, Scorte Som, Erresom e vários outros que fizeram história no lambadão e trabalharam duro para que ele chegasse a esse momento bom”, finaliza Tô.

Clique aqui e entre no grupo RDM no Whatsapp

Latest Posts

ÚLTIMAS NOTÍCIAS