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quinta-feira, maio 9, 2024
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Cuiabá 305 anos: Dona Maria Zacarias: a professora raiz de Cuiabá

Jean Gusmão 

A dona Maria Zacarias Oliveira Batista, de 80 anos, nascida no município de Rosário Oeste, católica e devota de São Benedito, veio muito nova para Cuiabá por meio da congregação da Igreja Católica.

Ela é moradora do bairro Pedra 90, professora aposentada, tendo dedicado mais de 30 anos de carreira na educação da rede estadual e fez parte do convento de freiras na juventude. É casada há 25 anos, mas não tem filhos com o cônjuge. Foi criada numa família de 10 irmãos.

Dona Maria Zacarias também fez parte do movimento da Consciência Negra em Cuiabá, pelo qual viajou por vários lugares do Brasil na representação e luta pelos negros cuiabanos, mato-grossenses e brasileiros.

Na juventude, lá na sua cidade natal, em Rosário Oeste, dona Maria foi convidada pelo Arcebispo da Igreja Católica, Dom Orlando Chaves, de Cuiabá, para fazer parte da congregação de freiras na capital. Na época, o bispo estava em busca de jovens com vocação para se tornarem padres ou freiras no futuro. Diante desse convite, ela acabou ingressando na escola e realizando trabalhos sociais em várias regiões da capital ou no interior do estado, chegando até a ir para Rondônia através desses trabalhos sociais.

“O bispo Dom Orlando veio até Rosário Oeste, convidou meninas e meninos para serem padres e freiras, pois ele era o fundador dessas duas entidades aqui em Cuiabá. Então eu fui fazer parte dos membros para ser freira, e eu gostei, continuei trabalhando, participando, fundando casas de apoio, fazendo visitas para meninas e meninos, cheguei a ir até Porto Velho fazendo esses trabalhos sociais”, pontua dona Maria.

Já morando no convento das freiras em Cuiabá, Maria Zacarias conseguiu concluir seus estudos em uma escola católica, tornou-se irmã, mas aos 20 anos ela começou a fazer faculdade de pedagogia no Colégio Coração de Jesus. Entretanto, após a formação, dona Maria começou a dar aulas como professora de primário em várias escolas da capital e no município de Barra do Garças. Ao longo da carreira profissional, chegou até a assumir o posto de diretora escolar.

Tendo que conciliar a vida e o trabalho para a religião e a sua profissão, sendo freira e professora ao mesmo tempo, dona Maria Zacarias foi transferida pela Igreja Católica para dar aula na Cachoeira da Fumaça, zona rural do município Novo São Joaquim, região leste do Estado de Mato Grosso, no Médio Vale do Araguaia, estando a 482 km de distância de Cuiabá. Lá, ela trabalhou e morou na região por 3 anos.

“Eu fui transferida para lá, na época do governo Collor, para cuidar de uma igreja e ser professora das crianças em área rural, mas era difícil trabalhar, situação precária, sem luz, sentindo muito com a falta de recurso. A gente tinha que se virar para levar comida às pessoas da comunidade, fazer sabão, costura, era um trabalho social no sábado, domingo”, comenta.

Diante das dificuldades enfrentadas em Novo Joaquim, dona Maria lembra que chegava a tirar dinheiro do próprio bolso para comprar os materiais escolares aos alunos, para que não desistissem da escola, pois a região era muito carente, e os pais dos alunos não tinham condições de comprar um caderno e lápis para os filhos estudarem.

“Os materiais que as crianças usavam eram do meu próprio bolso, eu comprava caderno, lápis, giz, esses materiais de aula, para as crianças estudarem. Eu não tinha dó de gastar, porque eu queria ver as crianças estudando. Eu sempre fui professora de alfabetização”, relata.

Após esses três anos de transferência, dona Maria Zacarias decide voltar para Cuiabá e começa a trabalhar na Escola Municipal Tereza Lobo, no bairro Dom Aquino. Mas no ano de 1993 ela se muda para o bairro Pedra 90 e começa a dar aula na Escola Estadual Professor Rafael Rueda (CAIC), onde trabalhou até se aposentar no ano de 2003.

Mas teve um período ao longo de sua carreira em que ela chegou a dar aula à noite para senhoras e senhores de idade, que eram reintegrados depois de adulta a voltar para a escola, com o intuito de ensinar a ler e escrever a essas pessoas. Essa experiência vivida por dona Maria dentro da sala de aula, é sempre contada com muito orgulho para sua profissão.

“Eu achava tão bonito as senhorinhas de idade na escola. Poxa vida, eu dava aula para essas pessoas que têm sede em aprender. Eu sempre dava o melhor de mim. Nossa, eu fico feliz em ver isso. A gente se sente bem para sempre fazer pelo próximo”, conta ela.

Entre várias situações enfrentadas ao longo do tempo, existe uma que marcou dona Maria Zacarias. Ela conta que teve que ser forte para enfrentar o racismo que sofreu na caminhada de sua vida. Pois ela chegou a sofrer com isso em locais de trabalho, na igreja ou até entre os próprios parentes, que já fizeram discriminação por causa de sua cor de pele negra.

“Quando criança, eu sofri muito com o racismo, mas depois eu fui me abrindo, libertando, não fiquei presa no passado, porque eu nunca abaixei a cabeça e me apegava muito à religião. Pois Jesus Cristo não discriminou ninguém. E a minha fé no santo negro São Benedito que me coloca de cabeça erguida”, pontua dona Maria.

Dona Maria foi membro do movimento de consciência negra e lutou contra o racismo (Foto: Tchélo Figueiredo)

Na esperança de lutar contra o racismo que enfrentou, a professora Maria fez parte do grupo do movimento da consciência negra em Cuiabá por 20 anos e viajou por vários estados, participando de congressos de conscientização do racismo no Brasil. “Quando apareceu esse movimento negro, por meio do advogado Geraldo, ele que era o diretor. Eu fiquei feliz, aí eu entrei, fui secretária, viajei para São Paulo, participava de congresso lá, reuniões. Eu gostei muito porque a gente é negra, mas não é esquecida, me sentia muito acolhida pelo grupo, me fez sentir liberta desse preconceito”, relata.

A professora faz uma reflexão sobre Cuiabá no passado, como uma cidade atrasada no sentido de ter uma boa interação entre as pessoas de várias raças ou religiões. Na época, ela diz que era difícil ter um relacionamento com outras pessoas, pois existia muito preconceito e discriminação. Não existiam promoções ou leis voltadas para esses tipos de crimes. Então, eram considerados normais alguém sofrer algum tipo de racismo.

Mas hoje, ela acredita que Cuiabá melhorou muito em relação ao racismo, pois existem programas e trabalhos de conscientização dos crimes contra as pessoas negras. E as pessoas estão se tornando mais conscientes, melhorando a cada dia.

“Ultimamente, eu acho que Cuiabá melhorou essa parte de relacionamento entre negros, brancos, japoneses, pois antigamente tinha muita discriminação, um afastamento de pessoas de cor. Hoje em dia, teve essa melhora. Mas espero que Cuiabá cada vez mais busque a conscientização das pessoas dentro das escolas, em reuniões dos grupos de catequese, e nas igrejas. Pois somos todos iguais”, finaliza.

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