Cojira-MT realizará o primeiro workshop de letramento racial para comunicadores

Everaldo Galdino

Com o objetivo de informar e orientar comunicadores de Mato Grosso, a Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial de Mato Grosso (Cojira-MT) programa, para o dia 23 de novembro de 2024, o primeiro workshop de letramento racial intitulado “Vozes Negras de Mato Grosso: Por uma Comunicação Mais Diversa”. Segundo integrantes da Comissão, a proposta é abordar “a importância de celebrar a inclusão, a diversidade, a representatividade, a pluralidade, o respeito a diferentes corpos, o jeito de ser e estar neste mundo”.

“A intenção do workshop é o de informar, formar, capacitar, instruir, comunicar aos profissionais de comunicação de Cuiabá sobre a importância da celebração da inclusão e da diversidade. É também para contribuir com os comunicadores sobre a pauta racial: Como as fontes são escolhidas? Por quê? Por quem? Como as pautas são planejadas, para além do factual? Como a diversidade dos assuntos são abordados? Há diferença na hora de noticiar sobre um acusado de tráfico se é preto e pobre de um branco e rico? Como os modelos das fotos e das propagandas são escolhidos? Os profissionais negros que contribuem para o desenvolvimento da capital são procurados para falar de quais assuntos para além do racismo? De que forma a mídia tem informado a população sobre as pautas étnicos-raciais para além da denúncia e dos relatos de racismo? Como ser um profissional da comunicação antirracista? Estas são algumas das reflexões que pretendemos fazer durante o evento”, disse a jornalista, professora, pesquisadora e representante da Cojira/MT, Julianne Caju em entrevista ao Grupo RDM.

Julianne Caju cita os principais questionamentos e dúvidas quanto à abordagem de profissionais da imprensa na divulgação de temas ético-raciais aos meios de comunicação que, às vezes, “não são esclarecidas ao público”.

“Vozes Negras de Mato Grosso: Por uma Comunicação Mais Diversa” acontecerá no dia 23 de novembro (Foto: Arquivo Pessoal)

A jornalista ainda disse que uma “Lista Negra” já foi preparada e lançada em novembro de 2023, para os profissionais terem fontes e pautas em várias áreas de atuação, com o intuito de contribuir com o conhecimento do público.

“Tem mais de 200 contatos de profissionais das mais variadas áreas (saúde, direito, arquitetura, engenharia, artes, cientistas, professores, técnicos, políticos, etc.) que contribuem o ano inteiro com a nossa capital. Essas pessoas desenvolvem projetos e ações o ano todo para nossa sociedade. Elas podem e devem ser fontes de todos os comunicadores! Pretos e Pretas podem e devem ser mais visibilizados pela mídia toda. Representatividade é muito importante para todos nós, que queremos celebrar a inclusão e a pluralidade!”, completou.

Para o workshop, a Lista Negra será reapresentada para conhecimento dos profissionais que vão participar.

“É justamente a dissociação de assuntos raciais que essa Lista Negra existe. Negros e negras não devem, não podem e não precisam falar só de racismo”, finalizou.
Na lista, encaminhada exclusivamente ao RDM, contém nomes de personalidades do setor público e privado, como professores, empreendedores, advogados, jornalistas, publicitários, bancários, psicólogos, escritores, empresários, defensores públicos, nutricionistas, capoeirista, geólogos, historiadores, atendentes de vendas, pesquisadores, pedagogos, artistas, tradutores, esteticistas, cientistas sociais, assistentes sociais, assessores parlamentares, além de militantes de movimento negro, LGBTQIA+ e outros.
A representante do grupo também reforçou o convite para que os profissionais participem desse workshop e pesquisem sobre esses temas para ampliarem conhecimento, a fim de levarem ao debate.

Atualmente, a Cojira é formada por 30 membros. Destes, 11 integrantes fazem parte da diretoria da Comissão. São eles: Celly Silva, Priscila Mendes, Magda Matos, Bruna Maciel, Cida Rodrigues, Aline Coelho, Léia Santos, Anderson Pinho, André Alves, Jolismar Bruno e Iviush Beloto.

Letramento racial

Segundo a Academia Brasileira de Letras, é um conjunto de práticas pedagógicas que têm por objetivo conscientizar o indivíduo da estrutura e do funcionamento do racismo na sociedade e torná-lo apto a reconhecer, criticar e combater atitudes racistas em seu cotidiano. É um processo de conscientização, conhecimento e percepção adquiridos nesse processo. Também denominado letramento racial crítico.

Esse conceito remete à racialização das relações, ou seja, o estabelecimento arbitrário de direitos e lugares hierarquicamente diferentes para brancos e não brancos, que legitima uma pretensa supremacia do branco. Portanto, o racismo pode (e precisa) ser desconstruído, combatido, o que implica necessariamente lutar para que todos sejam efetivamente reconhecidos como cidadãos e que tenham de fato seus direitos garantidos. Como nos diz a psicóloga e pesquisadora Lia Vainer Schuman, o letramento racial está relacionado principalmente com a necessidade de desconstruir formas de pensar e agir que foram naturalizadas. “Se não admitirmos que nossa sociedade é organizada a partir de uma perspectiva eurocêntrica e orientada pela lógica do privilégio do branco, trabalharemos com uma falsa e insustentável ideia de igualdade, porque o racismo é estrutural e institucional.”

No artigo “Letramento Racial: Um Desafio para Todos Nós”, a socióloga Neide A. de Almeida discorre sobre como todo letramento é político e construtor de sentidos. Para combater o racismo, os sistemas de ensino e de formação devem inserir em seus currículos práticas antirracistas. “Letramento racial é construção de referência para a vida. O que eu conheço como mundo, minha visão é construída a partir das referências que eu tenho quando eu decido entrar no educar. E nós, negros, raramente temos referências de boas práticas ou outras possibilidades que nos inspirem. Nos livros, nas novelas, músicas, o corpo negro é posto como nascido para ocupar determinado espaço subalterno”, explica Diane.

“A antropóloga afro-americana France Winddance Twine formulou o conceito de racial literacy, traduzido pela psicóloga e pesquisadora Lia Vainer Schucman como ‘letramento racial’. O letramento racial é uma forma de responder individualmente às tensões raciais. Ao lado de respostas coletivas, na forma de cotas e políticas públicas, ele busca reeducar o indivíduo em uma perspectiva antirracista. A ideia subjacente é a de que quase todo branco é racista, mesmo que não queira, porque o racismo é um dado estrutural de nossa formação social. Explica Schucman que o letramento racial é um conjunto de práticas, baseado em cinco fundamentos. O primeiro é o reconhecimento da branquitude. O indivíduo reconhece que a condição de branco lhe confere privilégios. O segundo é o entendimento de que o racismo é um problema atual, e não apenas um legado histórico. Esse legado histórico se legitima e se reproduz todos os dias e, se não for vigilante, o indivíduo acabará contribuindo para essa legitimação e reprodução. O terceiro é o entendimento de que as identidades raciais são aprendidas. Elas são o resultado de práticas sociais. O quarto é se apropriar de uma gramática e de um vocabulário racial. O quinto é a capacidade de interpretar os códigos e práticas ‘racializadas’”.

A mestre em Filosofia e Política pela Universidade Federal de São Paulo Djamila Ribeiro, coordenadora da coleção de livros femininos explorais e autora dos livros “Lugares de fala, quem tem medo do feminismo negro”, “Pequeno Manual Antirracista e Cartas para minha avó”, por meio de uma das aulas “Jornalismo contra-hegemônico: reflexões para um novo presente”, projeto idealizado e apresentado por ela, em parceria com a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abranji) e YouTube, aborda o tema desinformação, um fenômeno complexo que vem sendo estudado no campo da comunicação por causa de seus diversos desdobramentos nefastos para a democracia e para o próprio jornalismo.

“Ao longo do curso, mostramos vários momentos de reflexão sobre a prática jornalística, o pensar, a partir do desejo de ruptura com hegemonia e, portanto, contra o estado de coisas que querem modificar. E por que desejamos essa mudança? Porque atualmente temos um jornalismo pautado pelos poderes econômicos e políticos que exclui mulheres, sobretudo as negras, e os homens negros. As populações indígenas, as pessoas LGBTs e os povos de matriz africana. Trouxe iniciativas que mostram que mesmo em cenários difíceis de opressão era possível resistir e encontrar formas de fazer a comunicação ser um elo entre as pessoas. Afinal, é isso que buscamos no Jornalismo e no entretenimento. Encontraram-nos uma conexão entre nós e os outros em um dos piores momentos da história brasileira, quando vigorava a ditadura militar, várias publicações levaram para o papel as ideias de toda uma coletividade que se revoltava contra a força, que se impunha contra a liberdade de expressão e contra o cerceamento de direitos entre as publicações que marcaram esse período. O próprio Jornal do Movimento Negro Unificado, diversas publicações independentes criadas durante o período de ditadura representavam a luta de populações contra o silenciamento imposto pelo governo”, pontuou.

Histórico

Julianne Cajú, jornalista e pesquisadora, destaca a importância da diversidade e inclusão na comunicação (Foto: Arquivo Pessoal)

A Cojira é vinculada ao Sindicato dos Jornalistas de Mato Grosso e já existiu de forma ativa, durante os anos 2012 e 2013, tendo a jornalista Neusa Baptista como coordenadora. Naquela época, a Comissão promoveu importantes debates sobre a questão racial, com interlocução com outras entidades e grupos de estudos, a exemplo da Cojira do Distrito Federal e do Núcleo de Educação e Relações Raciais da Universidade Federal de Mato Grosso (NEPRE/UFMT). Em 2013, foi responsável por organizar o Prêmio de Jornalismo “Abdias Nascimento”, com o propósito de incentivar a produção de matérias jornalísticas que abordassem o racismo.

Dez anos depois desse histórico de lutas pela igualdade racial por meio do jornalismo mato-grossense, um grupo de jornalistas de Cuiabá retomou o debate sobre a necessidade de se pensar, estudar e agir em torno do cenário de discriminação racial presente na sociedade e, de forma mais específica, no jornalismo.

O grupo tem a pretensão de agregar as pautas étnico-raciais sob a perspectiva da construção de pontes, pedagógica e humanizada. No momento se organiza por meio de um grupo de WhatsApp e reuniões presenciais e on-line.

Contato: cojiramatogrosso@gmail.com ou https://www.instagram.com/cojiramatogrosso

Clique aqui e entre no grupo RDM no Whatsapp

Sair da versão mobile