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sexta-feira, maio 17, 2024
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“Albuesas”, um filme-poema transitando entre universos espampanantes

A sensível e encantadora homenagem de Glorinha Albues à sua irmã Tereza é uma profusão de imagens, palavras e movimentos impactantes

 

Por João Orozimbo Negrão

Há uma cena no filme “Albuesas” que é uma sequência de movimentos impactantes cobertos pela palavra, um texto sensível e encantador de Tereza Albues. O curta-metragem transita por entre universos espampanantes. Lançado recentemente no teatro do Sesc Arsenal, o filme-ensaio-poema de Glorinha Albues compõe as celebrações a Tereza, como Mestre da Cultura, que agrega ainda uma primorosa reedição pela Entrelinhas, agora em livro impresso, de “A Dança do Jaguar”, antes publicado em e-book.

“Albuesas” é um caleidoscópio de emoções, com perdão do emprego de um iminente clichê. É um título muito apropriado para este filme em que a realizadora Glorinha celebra a vida e lutas (de vida e literária) de Tereza e sua trajetória atávica, com toda a carga de sua hereditariedade que se compôs nas contradições de uma sociedade racista e patriarcal.

É neste contexto que emerge a Tereza Albues, falecida em 2005, que nos traz Glorinha. É impactante desde aquele nascimento de cócoras (um atavismo indígena) e sua fortaleza de menina miscigenada ante as tentativas de tias e outros parentes de destruir sua auto-estima pelo racismo. Daquele nascimento e a decisão da menina de reagir ao destino que lhe é traçado desde a paternidade (seu pai um homem negro) pela parentada, Tereza ganha a convicção de que não será como elas (as tias), analfabetas e submissas.

É a partir daí que Tereza, conduzida magistralmente pelas lentes de Glorinha, vem nos revelar a grande escritora que se construiu e passou a viver dois mundos. São dois mundos entrelaçados e tão distintos e aparentemente antagônicos costurados e tangenciados por Tereza: o Pantanal e Nova York. Mundos tão díspares quanto próximos, conectados nos universos de Tereza. As vastas emoções de Tereza reportadas por Glorinha vão nos conduzindo durante os quase 20 minutos de projeção do curta.

A conexão naqueles dois mundos nos possibilita compreender o significado da vida e as aldeias de Tereza, permeadas desde a infância por medos emulantes, fantasias tão perturbadoras quanto encantadoras e encontros com o fantástico. Nova York surge como a extensão de uma paz que se revolve e se moveu no Pantanal, ainda com suas queimadas que mostram a destruição de um espaço feérico. Paradoxalmente, contém a paz e os confrontos do mundo no centro do Brasil e no norte da costa leste dos EUA.

Tanto que, como aquela queimada abrasadora, há uma ameaçadora onça que espreita a família num dia aterrorizante qualquer no Pantanal e há as ruas, o aparente caos, o inverno cortante e as águas congeladas da cosmopolita metrópole estadunidense. A planície banhada pelo rio Cuiabá e a ilha esquadrinhada pelo rio Hudson são todos mundos de um universo de Tereza que escorreitamente Glorinha nos brinda.

Ao mesmo passo que reporta Tereza em seus universos geográficos, familiares, literários e fantásticos, Glorinha se insere na história para além de diretora, roteirista e montadora, e emerge como uma coadjuvante privilegiada. Por quanto tão apropriado o título desta obra que, em verdade, compactua a vida de duas irmãs cujo amor, com laços de sangue, arte e cumplicidades, extrapola na tela.

Na única cena ficcional de “Albuesas”, Tereza é ainda jovial e aparece escapulindo de um lugar qualquer e com espanto se esgueira porta adentro. É uma cena breve, mas, com perdão de outro clichê, emblemática. A sequência num átimo corta para a cena da garça cabeça-seca no meio da Baia de Chacaroré, vista com freqüência naquela projeção pela janela da casa.

É aquela cena à qual me refiro no início deste texto. O movimento delicado e impontente daquela garça, embalado naquele texto impactante na voz de Fernanda Mariomon e aquela trilha de Lenildes Ramos e Anderson Rocha, nos remete a toda a inquietude suave de Tereza.

Como filme-ensaio-poema, “Albuesas” é para se ver, rever e degustar cada quadro, cada cena e cada sequência, saboreando aquelas imagens, aqueles textos e aquela trilha que emolduram um pouco da vida e do universo (melhor, universos) de Tereza Albues.

O filme tem produção executiva de Felipe Albues Martins; consultoria artística de Joel Pizzini; fotografia de Luzo Reis e Murat Eyuboglu, com cenas adicionais de Mike Bueno (onça), Felipe Albues Martins (drone e imagens de 1992); colorismo e finalização de Marcelo Sant’Annna e Sofia Cardoso; edição e mixagem de áudio de Mizael Silva; e produção de José Bala.

 

* João Orozimbo Negrão é jornalista em Brasília, com passagens em veículos de comunicação de Mato Grosso.

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