Garotas de programa de Brasília se ocultam sob a nomenclatura de outras profissionais e ocasionam, além da excitação, muita confusão e estigma
Por Carolina da Costa Lima da Sucursal de Brasília
Há um mundo secreto, quase clandestino, no universo das “massoterapeutas”. No hall de entrada dos hotéis, elas se encontram prontas para oferecerem os seus serviços. Muitas já vêm até com o cartão de visitas em mãos. São diversas as opções: massagem relaxante, tantra, massagem local e terapêutica, como um cardápio, em que tudo que você precisa fazer é escolher. O valor é cobrado por hora, e cada uma estipula o seu preço. E se ela precisar se locomover até você, é cobrado o dobro. São mulheres, de todas as cores, jeitos, tamanhos e tipos.
Estas mulheres podem ser encontradas com facilidade pela cidade. Muitas delas, são migrantes de outros países, vindas para cá com a esperança de encontrar algo melhor. Algumas, se concentram na W3, avenida famosa, larga, onde ao anoitecer, acontece a atividade de prostituição. Mas não é somente lá que elas podem ser encontradas, existem aplicativos de relacionamento, redes sociais e sites especializados que destacam este serviço.
É de conhecimento dos hóspedes dos hotéis esta prática, e de quem trabalha nas proximidades também, apesar de deixarem claro que é orientação do hotel inibir a presença destas mulheres nas dependências. Mas na prática, é diferente. Elas ocupam, sim, estes espaços e com mais frequência do que imaginamos. Geralmente, os clientes vêm de longe, muitas vezes com os dias contados na cidade, e aproveitam para usufruir do serviço.
Tudo acontece de forma discreta. Muitas utilizam pseudônimos, com medo de revelarem a própria identidade e durante a conversa, já vão direto ao assunto. Descrevem a aparência física, a nacionalidade, idade, altura, peso e raça. Também já especificam os serviços que oferecem e o valor cobrado, que geralmente é na casa dos três dígitos.
Também anunciam este tipo de serviço em sites, acompanhado de fotos sensuais e uma breve descrição do serviço oferecido. A maioria se apresenta como massoterapeuta tântrica, com experiência na área, profissionalismo e discrição. Recebem tanto homens quanto mulheres e oferecem tratamento personalizado para quem desejar se aventurar.
A divulgação acontece da seguinte forma: “Estou aqui para te deixar totalmente relaxado. Faço massagem relaxante terapêutica, tântrica, entre outras. Atendo homens que apreciam massagem com finalização. Faço também atendimento por vídeochamada, inclusive com valor cobrado por minutos e aceito pix.” diz o anúncio da garota de programa que se identifica como “Morena”.
Quando questionadas a respeito do assunto, muitas optam pelo silêncio. O medo da exposição é grande, por isso preferem não dar detalhes. As respostas são muito parecidas: “Não tenho interesse, prefiro não me expor.”
Ao abordar Cláudia (nome fictício), ela deixou claro que não estava cabeça para dar entrevista, e sim, preocupada em pagar as contas.
“Não faço isso porque quero, e sim, porque preciso, as contas precisam ser pagas de um jeito ou de outro” disse uma garota de programa.
A presença de hóteis nesta área facilita o encontro entre prostitutas e clientes. Funcionários de hotéis de luxo afirmam ter conhecimento do que acontece dentro dos quartos de hotel. Muitos reservam o quarto por meio de sites como Airbnb, para que não precisem se reportar diretamente à recepção do hotel.
A boate Alfapub, na Asa Sul, por 20 anos foi palco para a prostituição. O espaço fechou as portas há 4 anos, durante a pandemia do coronavírus e era famosa pela movimentação. Tudo acontecia no térreo do Hotel Bonaparte, antro de políticos em busca de sexo discreto.
O estigma da profissão
O que as garotas de programa de Brasília fazem ao se apresentarem como “massoterapeutas” não agrada muito às profissionais sérias da massoterapia. As meninas se ocultam sob a nomenclatura de outras profissionais e ocasionam, além da excitação, muita confusão e estigma.
A profissão massoterapeuta ainda é vista com tabus e preconceitos, principalmente por homens. Isso se dá porque muitas pessoas a erotizam, justamente por ser uma atividade em que se utiliza das mãos como ferramenta principal de trabalho, bem como do toque, gestos e manobras em tecidos específicos do corpo.
O massoterapeuta é o profissional que é especializado em técnicas de massagem para promover o bem-estar físico e mental do indivíduo. Geralmente possui ensino técnico ou profissionalizante. O curso técnico dura cerca de 2 anos e não é necessário ter curso superior.
A profissão foi deturpada com o decorrer do tempo, e por muitas vezes utilizada para camuflar outros tipos de trabalhos corporais, refletindo diretamente no trabalho do profissional da área. É o caso das prostitutas, que utilizam do título de “massoterapeuta” como fachada para divulgarem os seus serviços de prostituição.
Em Brasília, no Distrito Federal, é comum esta prática, e é cobrado caro. Existe um mercado de prostituição na capital onde são investidos valores altos, além de objetos como óculos, relógios, sapatos e joias em troca de sexo, massagens e afins. Os valores variam muito, a partir de R$150, dependendo do serviço solicitado. Elas costumam atender no setor hoteleiro do Plano Piloto e em casas de massagem nos arredores, e atuam da forma mais discreta possível.
Geralmente utilizam de outras profissões como “massagistas”, “massoterapeutas”, “modelos”, “atrizes”, para atrair um público específico, geralmente políticos, que estão na cidade apenas por um tempo determinado e procuram por esses serviços após compromissos profissionais.
Nos sites em que anunciam seus serviços de prostituição, elas costumam detalhar a forma que trabalham. Além de descrever os serviços oferecidos, caso o cliente queira, é possível saber também onde encontrá-la. “Estou na Asa Norte, em Brasília. Moro sozinha em local discreto, prédio sem porteiro, entrada discreta e com qualquer discrição, basta você subir direto.”, diz o anúncio.
Além de anunciarem em sites específicos, existem os famosos books, facilmente conseguidos em hotéis e taxistas da região. É um catálogo repleto de mulheres que é apresentado a clientes em potencial. Segundo a lei 11.106/05, a prostituição é permitida, e não é considerada crime, mas a exploração, sim. Em casos em que acontece o rufianismo (exploração do trabalho sexual por terceiros) o crime está previsto pelo art. 230 do Código Penal.
O que dizem os profissionais da massoterapia
A reportagem do RDMNews ouviu dois profissionais da área. Felipe Langoviski é massoterapeuta profissional desde 2016 e atua em São Paulo. Trabalha com massagens terapêuticas e é especializado em uma técnica japonesa chamada Shiatsu.
O outro profissional, João Pedro (nome fictício) é fisioterapeuta, mas também trabalha com terapias manuais. Está na área há mais de 4 anos e para ele, este assunto é de extrema relevância, porém, pouco falado.
“O ponto é que quando utilizam a profissão como fachada para a prostituição, acabam prostituindo a profissão também, de modo geral isso faz com que a profissão seja desvalorizada.” aponta o fisioterapeuta.
“Já vi casos em que o profissional anunciava o serviço de massoterapia em hóteis e dentro dos quartos, a prostituição acontecia. É algo que acontece bastante, inclusive já aconteceu de quererem pagar mais para terem direito a outras coisas durante a sessão e eu tive que cortar isso”. relata ele.
Para Felype Langoviski, apesar de usarem termos similares massagista x massoterapeuta, é possível distinguir a verdadeira intenção do serviço prestado.
“É possível distinguir qual a verdadeira intenção do serviço prestado pelo profissional, seja de cunho sexual ou não, é sempre bom ressaltar que as duas profissões devem ser respeitadas. Talvez com massoterapêutas tântricos a confusão seja maior.” disse ele.
O profissional relata, inclusive, que já foi abordado de forma explícita e também velada por clientes em busca de serviços sexuais.
“O que mais acontece é perguntarem num primeiro contato se a massagem é tântrica (fazendo confusão com os profissionais sérios que atuam com a Tântrica como terapia) ou se “há finalização”. Por sorte, a técnica que trabalho não está atrelada a um conho sexual.” finaliza ele.
Massoterapeuta X Massagista
No Brasil, a profissão massoterapeuta se assemelha à carreira de massagista. Mas qual a diferença entre massagista e massoterapeuta?
De maneira geral, ambas as profissões trabalham com a aplicação de massagem. A diferença é que um possui conhecimentos técnicos e necessários para desenvolver atendimentos terapêuticos. O massagista utiliza técnicas mais básicas, e geralmente atua em SPAs e salões de beleza, com o objetivo de levar bem-estar e relaxamento ao cliente.
No Brasil, a profissão foi estabelecida por meio do Decreto Lei 8.345 em 10/12/1945 e regulamentada pela Lei Federal nº 3.968, de 1961 que dispõe sobre o exercício da profissão de massagista e dá outras providências.
A profissão
A profissão ainda enfrenta muitos desafios no Brasil. Apesar dos benefícios comprovados para a saúde e o bem-estar da sociedade, a falta de regulamentação e fiscalização é um dos motivos que implica no reconhecimento do profissional. Hoje, mais de 60 anos depois da regulamentação, os profissionais da área lutam pela criação do conselho de fiscalização profissional.
Para Felype, no Brasil, a profissão é desvalorizada, principalmente porque as pessoas não possuem o hábito de receber massagens.
“As pessoas preferem gastar dinheiro com álcool ou festas, por exemplo, em vez de investir em seu bem-estar”, pontua ele.
Ainda, Felipe afirma que recentemente tem notado que as pessoas estão preocupadas com a qualidade de vida, mas que no Brasil, a massagem ainda é vista como um luxo e não como uma manutenção preventiva da saúde.
“Estive trabalhando nos últimos anos no Chile e mais recentemente na Argentina e pude notar que lá as pessoas já estão mais familiarizadas com a massagem e a incorporaram como um gasto necessário (quando a condição econômica permite).
A massoterapia é uma profissão séria e indicada para vários fins, sejam eles relaxamento, alívio de dores musculares, diminuição de inchaços e medidas, melhoria na circulação sanguínea, entre outros. É de extrema importância que os profissionais da área continuem lutando pela valorização da profissão e no combate à erotização da classe.