A história da moda de viola, a música raiz

 Ademir Galitzki

Com o lançamento de um disco por volta de 1929, pelo então escritor Cornélio Pires, a moda chamada viola caipira ou moda raiz foi introduzida no mercado brasileiro com excelente aceitação, resultando no esgotamento rápido do disco. Com melodias apaixonantes, a viola instrumental chegou ao Brasil através dos colonizadores portugueses, especialmente trazida pelos padres jesuítas para ser utilizada em suas catequeses. Ao longo dos anos, ela foi incorporada no contexto nativista, sendo contada e cantada em verso e prosa. Há muito tempo, a viola faz parte do universo sertanejo do nosso país.

Inicialmente, ouvia-se música de viola, música caipira ou as chamadas modas de raiz apenas nas madrugadas e nos confins do sertão. Nas grandes cidades, raramente se ouvia esse estilo musical, e parecia até proibido ou um pecado grave se alguém fosse pego ouvindo. Muitas vezes, o rádio era ouvido bem baixinho para não chamar a atenção dos transeuntes, e os mais antigos contam que as pessoas até se escondiam de amigos e parentes, como se tivessem vergonha de ouvir tais melodias.

Hoje, em contraste, existem milhares de emissoras de rádio com programação que toca músicas sertanejas 24 horas por dia. Lembro-me dos tempos da Rádio Antena 1, em Várzea Grande-MT, e de outras rádios de Cuiabá-MT e do interior de Mato Grosso, onde a programação sertaneja, principalmente a raiz, começava às 18 horas ou à meia-noite das sextas-feiras e continuava até às 6 horas de segunda-feira. Logo foram introduzindo seleções de três músicas caipiras ao longo do dia, evoluindo até os dias atuais, quando este estilo se tornou uma potência nas rádios de todo o Brasil. Deixo aqui minha homenagem aos queridos radialistas Crispim, Osvaldo Alves (in memoriam), Carlos Roberto (o compadre Mortadela) e meu querido amigo Wanderlei, o Arizona, cowboy cuiabano.

Hoje, também temos programas de TV com até duas horas de duração e festivais de moda de viola. O encontro de violeiros na cidade de Poxoréu-MT, terra da minha amiga e seguidora, a violeira de primeira, Pámella Viola, e da Bruna Viola Cuiabana, juntamente com os mato-grossenses raiz Mayck e Lyan, que começaram no programa do Raul Gil quando eram muito pequenos e hoje são fenômenos no segmento artístico, resgatando esta tradicional moda que tanto nos encanta. Lyan é um dos maiores violeiros e professores de viola do Brasil. Também destaco o violeiro Claudinho, um dos melhores violeiros do Brasil na atualidade, que compõe o trio Henrique, Claudinho e Pescuma, que tão bem representa nossa música sertaneja raiz em Mato Grosso e no Brasil.

Há uma história interessante: a esposa de Tião Carreiro nunca participava de programas sertanejos em rádio ou TV, mas fez uma exceção no programa do Raul Gil para homenagear a dupla Mayck e Lyan, levando mais de 80 discos da coleção de seu marido. Ela afirmou que eles eram os verdadeiros substitutos de Tião Carreiro e Pardinho, uma grande honra para nós, mato-grossenses.

É de arrepiar quando um bom tocador faz a viola tremer, no chamado batido da viola ou no tinido instrumental. Uma vez, fui a um encontro de violeiros em Cuiabá, mais precisamente no ginásio Aecim Tocantins, num evento magistral e de rara beleza promovido pelo Grupo Gazeta de Comunicação, dirigido por João Dorileo Leal. Foi um verdadeiro show de calouros, com composições próprias e belas canções raiz cantadas pelos convidados, como Divino e Donizete, Liu e Léo, Cacique e Pajé, Zé Antônio e Divanei, entre outros. Um verdadeiro show de bom gosto, uma pena que esses festivais e encontros de violeiros não têm ocorrido mais em Cuiabá.

A viola, menor e mais compacta, tem 5 pares de cordas, geralmente de aço, enquanto o violão, que sempre acompanha a viola, é maior e tem 6 cordas. A viola está sempre acompanhada de um bom violão. O que mais me atrai ao longo dos tempos é o jeito das duplas se apresentarem, quase sempre em duplas e também em trios, onde acrescentam o acordeão, dando uma nova roupagem instrumental. Em grandes bailes e eventos, uma apresentação de viola não fica completa sem a presença da sanfona, parece que falta algo especial. As vestimentas das duplas, sempre iguais, e as grandes histórias e causos contados através das lindas e apaixonantes melodias falam de amor e cumplicidade, aquecendo a nossa alma. Muitas músicas relatam fatos reais, como a história do menino salvo pelo cachorro do dono durante uma grande enchente, ou do nelore valente que salvou a vida do filho do patrão.

Entre os compositores que nos brindaram com essas belas melodias estão Raul Torres e Florêncio, Tião Carreiro e Pardinho, João Pacífico, Izaltino de Paula, Pedro Oliveira, Carreirinho, Sulino, João Mulato, Douradinho, Carreiro, Antonio Carlos Silva, Cornélio Pires, Gustavo Martins, Teddy Vieira, Mario Zan (compositor de “Chalana”), Alcino Alves (compositor de “Vestido de Seda”), Carlos César (da dupla com Cristiano), Alexandre (da dupla com Ataíde), Bruno (da dupla com Marrone), Fátima Leão, Felipe (da dupla com Falcão), Jesus Belmiro, Lourival dos Santos, Tonico e Tinoco, Pena Branca e Xavantinho (com “Cio da Terra”), Rolando Boldrin, Zé Mulato, Ariovaldo Pires (o Capitão Furtado), Dino Franco, Eupídio dos Santos, Genésio Tocantins, Geraldo Meireles, Ademar Braga, Maciel Correia, Zé Correia (o rei do chamamé), João Caboclo, Anacleto Rosa, Ado Benati, Luizinho Biguá, Zacarias Mourão, Benedito Silvério, Goiá, Dom e Ravel, entre muitos outros.

Muitas vezes, você se apaixona por uma belíssima música e acha a melodia simplesmente divina, valorizando as duplas e intérpretes, mas esquecendo dos compositores. Devemos, sim, curtir e nos apaixonar por essas músicas, mas também reconhecer e valorizar os verdadeiros compositores dessas grandes obras-primas do cancioneiro brasileiro. Eles merecem carinho, reconhecimento, atenção, valorização e muitos aplausos pelo que fazem pela música brasileira, especialmente pela nossa música caipira ou modas de raiz.

A música antiga, ou as genuínas músicas raiz, as verdadeiras modas de viola, valorizam o amor e a humanidade em suas letras. Diferente das letras atuais que, muitas vezes, denigrem a imagem da mulher e focam em temas como bebedeira, traição e ganância. Comparando, por exemplo, “Cheiro de Relva” de Dino Franco e José Fortuna, que fala da beleza do campo e da natureza, com “Me Dá um Dinheiro Aí” de Moacyr Franco, que tem uma temática completamente diferente, podemos ver a discrepância. Outro exemplo é a música “Caboclo na Cidade” de Dino Franco, que narra a mudança de um roceiro para a cidade, contrastando com letras atuais que não abordam temas da natureza, paisagens, ou a valorização do meio ambiente.

Minhas músicas preferidas incluem “Obrigado ao Homem do Campo” de Dom e Ravel (1978), “Cio da Terra” de Milton Nascimento e Chico Buarque, “Cheiro de Relva” de Dino Franco e José Fortuna, “Velhas Cartas” de Nardel Silva, “O Ypê e o Prisioneiro” de Abel e Caim, “Chalana” de Mario Zan e Arlindo Pinto, “Caboclo na Cidade” de Dino Franco, “Nelore Valente” de Antonio Carlos Silva e Sulino, “Boi Soberano” de Izaltino Magalhães de Paula, “Rei do Gado” de Teddy Vieira, “Catimbau” de Tião Carreiro e Pardinho, “Chico Mineiro” de Tinoco (1958), “Luar do Sertão” de João Pernambuco, “Cabocla Tereza” de Raul Torres e João Pacífico, “Fazenda São Francisco” de Jesus Belmiro e Paraíso, e “Cuitelinho” de Paulo Vanzolini e Antonio Carlos Xandó. Essas músicas são verdadeiros hinos da moda raiz e estão disponíveis para serem apreciadas no Google.

Para minha satisfação, hoje temos a música sertaneja gospel, onde vários cantores e duplas se destacam, levando a palavra de Deus através de lindas mensagens e louvores. Entre eles estão André e Felipe, John e Luan, Dan e Janaína, Jonas Vilar, Anderson Barony, Banda Gratidão, Gabriel Rocha, Ana Nóbrega, Daniel e Samuel, Rayssa e Ravel.
Esta é a minha homenagem à verdadeira música de viola, música raiz, cantada por todo o Brasil em prosa e verso. Lamentável e muito triste foi a morte prematura do violeiro João Carreiro, ocorrida em 3 de janeiro de 2024, deixando familiares, amigos e milhares de fãs. Assim é a vida. Descanse em paz, e quem mais sente saudades certamente é a viola, que tinha sua morada colada ao peito do incrível cantador.

Em tudo, daí graças.

Clique aqui e entre no grupo RDM no Whatsapp

Sair da versão mobile