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quarta-feira, maio 22, 2024
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150 anos do Poder Judiciário de Mato Grosso: história, desafios, avanços, compromisso social e igualdade

O Tribunal de Justiça de Mato Grosso celebra 150 anos de história com um legado de justiça e garantia de direitos para todos

Vanessa Moreno

Era 1º de maio de 1874, durante o reinado de Dom Pedro II, quando foi instalado, no número 300 da Rua 11 de Julho, atual Rua Pedro Celestino, o então Tribunal da Relação da Província de Mato Grosso. Ali começava, sob a presidência do desembargador Ângelo Francisco Ramos, a história do poder judiciário de Mato Grosso.

Desde a sua criação, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) vivenciou e protagonizou eventos históricos e importantes para a justiça do estado e do país, como a abolição da escravatura, a independência do Brasil, a posse da primeira desembargadora como presidente do Tribunal mato-grossense, a implementação da Lei Maria da Penha, a instalação de varas especializadas em violência doméstica e familiar contra a mulher, a modernização e informatização do judiciário, a criação do Juizado Especial Itinerante, o lançamento de projetos sociais, entre outras mudanças que levaram o Tribunal rumo a uma justiça mais inclusiva e abrangente. “O judiciário de Mato Grosso cuida de uma vasta área territorial em termos jurisdicionais, enfrentando desafios nesse sentido e o maior deles é estar presente onde se faz necessário e premente, e isso vem sendo cumprido”, afirma o juiz Gonçalo Antunes de Barros, que atua no judiciário há 25 anos.

Juiz Gonçalo Antunes de Barros destaca os avanços do Tribunal ao longo dos anos (Foto: Reprodução)

Gonçalo destaca que o desenvolvimento do judiciário mato-grossense não se resume a apenas estrutura física, mas também no potencial do intelecto humano, que não para de evoluir. “O judiciário de Mato Grosso tem evoluído ao longo dos anos, tanto em estrutura física, quanto em material humano. Inúmeros foram os cursos de aperfeiçoamento, de pós-graduação, mestrado, além de mediação e conciliação, implementados pelas sucessivas administrações da justiça social”, ressaltou.

Ao longo destes 150 anos de história, todos os desafios enfrentados e os avanços conquistados representam uma mudança exemplar na entrega da justiça, proporcionando acessibilidade, igualdade, garantia dos direitos da população mato-grossense e, consequentemente, desenvolvimento do estado. “A justiça de Mato Grosso tem um papel fundamental no desenvolvimento estadual, notadamente na análise célere dos processos e segurança jurídica de suas decisões”, completou Gonçalo Antunes.

A desembargadora Maria Aparecida Ribeiro atua há 40 anos no poder judiciário de Mato Grosso e afirma que comemorar os 150 anos é de suma importância pela grandiosidade e valorização do TJMT. “Destes 150 anos, 40 anos foram dedicados à minha atividade como magistrada. Percebi o trabalho que foi realizado pelos nossos desembargadores e juízes do passado para chegarmos a um Tribunal de Justiça tão grandioso”, observou.

A desembargadora Maria Aparecida Ribeiro é presidente do Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso (TRE/MT) (Foto: Reprodução)

De acordo com Maria Aparecida, todo o trabalho realizado até hoje é gratificante e digno de elogios. “A valorização do trabalho humano é evidenciada através do esforço concentrado de vários magistrados no estado, dos servidores e de uma colaboração conjunta entre servidores, Ministério Público e o próprio judiciário, que contribuíram para que o tribunal de justiça alcançasse, com êxito, os 150 anos”, completou a desembargadora que é a atual presidente do Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso (TRE-MT).

Mulheres ocupam espaço no poder judiciário de Mato Grosso

Nestes 150 anos de TJMT, uma evolução clara é quanto à equidade de gênero e promoção dos direitos das mulheres. Embora ainda seja novidade, a participação feminina no poder judiciário, espaço onde há pouco tempo a legislação sequer permitia a entrada de mulheres, está avançando, ainda que a passos lentos.

Foi em 1991 que a desembargadora Shelma Lombardi de Kato tomou posse como presidente do TJMT, ela foi a primeira e, durante muitos anos, a única mulher a presidir o poder judiciário, enfrentando o desafio de integrar um ambiente predominantemente masculino. Desde então, o Tribunal tem sido um defensor incansável da igualdade e da representatividade feminina.

“Tive a oportunidade de acompanhar, desde 1995, essas discussões, em razão da oportunidade vivida de ser aluna da Professora Desembargadora Shelma Lombardi de Kato na Universidade Federal de Mato Grosso. As questões eram bastante difíceis. Mas o exemplo incansável dessa magistrada, no sentido de buscar ações e projetos, sedimentou muitos outros horizontes de diálogo”, declara Amini Haddad Campos, juíza do Tribunal de Justiça de Mato Grosso há 25 anos.

A juíza Amini Haddad atua na defesa da igualdade, na garantia dos direitos das mulheres e em outras pautas (Foto: Reprodução)

Em sua carreira, Amini sempre atuou como humanista, pautada no feminismo da equidade. Ela esteve à frente da primeira Vara de combate à violência doméstica e familiar contra mulheres e meninas do Brasil, coordenou os trabalhos desenvolvidos pela Jornada Maria da Penha (Portaria nº 213/2008) e atuou como Juíza Auxiliar da Presidência, na gestão da Ministra Rosa Weber, participando de atos fundamentais para aumentar a participação feminina nos Tribunais, como a Resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) nº525/2023.

“Ao que se vê, as poucas mulheres que assumiram a Presidência do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, além de serem exemplos de magistradas nas mais diversas searas de interesse público quanto à otimização do acesso à justiça, foram elas que instituíram mudanças significativas nas políticas públicas judiciárias à participação feminina e à estruturação de espaços mais condizentes aos atendimentos judiciais, quando das ocorrências de vulnerabilidades drásticas, a exemplo da violência de gênero contra mulheres e meninas”, destaca Amini, que defende a participação de mulheres em todos os espaços de poder e nas definições de políticas públicas, uma vez que todas são atingidas pelo âmbito decisório de governos, legislativo e judiciário.

Desembargadora Maria Helena Póvoas reforça o papel das mulheres na magistratura de Mato Grosso (Foto: Reprodução)

Já em 2021, de forma inédita, o TJMT protagoniza mais um marco histórico, a posse da desembargadora Maria Helena Póvoas como presidente e da desembargadora Maria Aparecida Ribeiro como vice-presidente da Corte, após mais de duas décadas, exatamente 28 anos depois da desembargadora Shelma. “Depois de muitos anos que a primeira mulher, a desembargadora Shelma, ocupou o comando do nosso TJ, seguindo o regramento da antiguidade, fui honrada pelos meus pares, eleita presidente do Tribunal, pela disputa do voto (eleição acirrada). Um acontecimento histórico do nosso TJ”, contou Maria Helena.

A desembargadora também foi a primeira a assumir uma vaga destinada ao Quinto Constitucional pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e também a primeira mulher a presidir a OAB – Seccional Mato Grosso.

“O judiciário vem avançando muito ao longo dos anos! A participação feminina sempre foi muito discreta, em alguns cenários bastante reduzida, porém hoje temos uma maior presença feminina nos tribunais e já contamos com a decisiva posição do CNJ, bem sintonizado com a atualidade, que editou um regramento recente, normatizando o acesso das mulheres aos tribunais, garantindo a participação feminina efetiva”, lembrou Maria Helena Póvoas.

Atualmente, a participação feminina no Tribunal de Justiça de Mato Grosso está em sua melhor fase. O Tribunal é presidido pela desembargadora Clarice Claudino da Silva, tem a desembargadora Maria Erotides Kneip na vice-presidência, conta com mais nove desembargadoras e diversas juízas, ocupando seus espaços de direito e refletindo uma mudança significativa na igualdade de gênero.

A desembargadora Clarice Claudino é a atual presidente do TJMT (Foto: Da Assessoria)

“Conquistamos recentemente espaços necessários, o que tem ajudado a desenvolver em cada uma de nós a consciência sobre como a representatividade é fundamental para inspirar outras mulheres”, é o que diz a desembargadora Clarice Claudino, que assumiu a presidencia do TJMT em janeiro de 2023. Para a presidente, estar à frente do poder judiciário no ano em que é celebrado o sesquicentenário da instituição, além de refletir a representatividade feminina no judiciário, é motivo de muita alegria. “Estar na presidência no Tribunal de Justiça de Mato Grosso hoje, como mulher, celebrando os 150 anos, é uma honra e uma alegria inefáveis”, completou a desembargadora.

A juíza Jaqueline Cherulli, da 1ª Turma Recursal do TJMT comemora a representatividade feminina no poder judiciário “no poder judiciário do estado de Mato Grosso, eu vejo a trajetória das mulheres de uma forma muito interessante. Nós temos muitas conquistas, nós temos um número expressivo de magistradas.”

A magistrada acredita que o olhar das mulheres é crucial para a aplicação da lei e que a experiência feminina contribui para a promoção da igualdade de gênero, para a justiça social e para outros aspectos de uma justiça distributiva, ou seja, uma justiça que confere igualdade de oportunidades aos cidadãos, diminuindo as desigualdades sociais. Ela ressalta ainda que as juízas, por suas experiências, pautam pelo universo da composição e da mediação de todas as áreas e que antes de praticar uma justiça adversativa, sem diálogo ou negociação, elas buscam a justiça compositiva, ou seja, justa. “Essa justiça compositiva, a justiça que investe na justiça multiportas, é uma grande característica do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso”, acrescenta.

A juíza Jaqueline Cherulli comemora a representatividade feminina no judiciário (Foto: Reprodução)

Já de acordo com Maria Helena Póvoas, a presença das mulheres proporciona um olhar diferenciado, principalmente nas decisões que envolvem relação familiar e agressão às mulheres e menores. “Eu, como a maioria das mulheres da minha idade, já percorri caminhos íngremes e espinhosos. Costumo dizer que a magistratura exige mais do que preparo jurídico, exige perspicácia da vida e olhar diferenciado”, ressalta.

A desembargadora ainda elogia a atuação das magistradas em relação a luta pela igualdade em um território onde a presença feminina sempre foi uma exceção “as magistradas de Mato Grosso tem dado um show de preparo na luta pela igualdade de gênero”, comemora.

A determinação e a competência de Shelma, Maria Helena, Clarice Claudino e tantas outras, tornaram-se inspiração para as mulheres que vieram e virão após elas. “A Desembargadora Shelma Lombardi de Kato nos abriu um caminho, uma possibilidade, e a gente vem avançando, crescendo, de forma que em outros tribunais não há tanta representatividade conquistada quanto no TJMT”, destaca Jaqueline Cherulli.

“A representatividade feminina é importante e nada se equipara à empatia no sentido de olhar para o outro, considerando aquelas circunstâncias e peculiaridades. Então, estou falando sobre o quê? Estou falando sobre mulheres aplicando a lei, mulheres olhando para mulheres do outro lado. O que é outro lado? Mulheres que aplicam a lei, olhando para mulheres em condições que buscam a aplicação da lei, nas mais diversas áreas do direito”, ressalta Jaqueline, deixando claro que todo ser humano tem o direito de gozar de uma justiça igualitária.

Ao serem questionadas sobre o que esperam da justiça mato-grossense daqui para frente, as respostas de Maria Helena, Amini Haddad e Jaqueline Cherulli ecoam como uma voz que representa todas as mulheres: igualdade!

“Estejamos lado-a-lado, homens e mulheres. Que assim seja!”, finaliza Amini.

Responsabilidade social

Além de sua função primordial de administrar a justiça, o TJMT também se dedicou a uma série de projetos sociais que tiveram um impacto positivo na comunidade. O Projeto Ribeirinho Cidadão, por exemplo, oferece serviços essenciais às comunidades ribeirinhas, garantindo o acesso à justiça, à saúde e à cidadania a populações remotas e desfavorecidas. Essas iniciativas demonstram o compromisso do Tribunal com a responsabilidade social e reforçam sua conexão com as necessidades da população mato-grossense.

O juiz José Antônio Bezerra Filho atua a frente do projeto Ribeirinho Cidadão (Foto: Da Assessoria)

Só em 2024, o projeto realizou 10.270 atendimentos em sua 17ª edição. O trabalho é feito em parceria com a Defensoria Pública do Estado, com apoio de parceiros.

“Tenho certeza, em nome da presidente do tribunal, desembargadora Clarice Claudino da Silva, nós representamos com propriedade o nosso dever de justiça, de fazer a diferença na vida de cada cidadão, de semear a paz, de colher resultados positivos a uma administração que reflete esse amor ao próximo”, disse o coordenador da Justiça Comunitária, juiz José Antônio Bezerra Filho.

Comunidades mais distantes e carentes são beneficiadas com orientação jurídica, resolução de questões judiciais, facilitação de acordos, serviços médicos e odontológicos, vacinação, assistência previdenciária, confecção de documentos, atividades educativas e recreativas e outros serviços.

Poder Judiciário de Mato Grosso libertou escravos antes da Lei Áurea

Em 1878, uma década antes da assinatura de Lei Áurea pela princesa Isabel, em 1888, e quatro anos após a instalação do poder judiciário em Mato Grosso, Balbina, uma mulher africana, solteira e com a vida marcada pela escravidão, aos 34 anos de idade, alcançou uma conquista que mudou a sua vida: a liberdade.

A história da escrava Balbina está narradas em um dos muitos processos judiciais arquivados em Mato Grosso (Foto: Reprodução)

Balbina e outros quatro escravos, Antônio (26 anos), Benedicta (30 anos), Epifania (21 anos) e Francelina (22 anos), eram considerados propriedades de Manoel José Moreira da Silva. Em um processo datado de 1879, João José Moreira da Silva, filho de Manoel José, concedeu liberdade ao grupo em 8 de outubro de 1878, por disposição testamentária de seu pai. Este evento destaca uma rara ocorrência de emancipação antes da abolição oficial da escravidão no Brasil.

Os registros históricos encontrados no Arquivo do Fórum de Cuiabá, como parte do projeto “Memória Judiciária” desenvolvido pela Coordenadoria de Comunicação do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, revelam a libertação de Balbina e o contexto mais amplo da escravidão na região. Em inventários e processos judiciais, são descritas as pessoas escravizadas e suas avaliações monetárias, que deixa claro como era a desumanização e a mercantilização da vida humana naquele período.

Outros casos judiciais encontrados nos arquivos mostram as condições enfrentadas pelos escravos. Por exemplo, um processo de 1868 registra um protesto devido à compra de escravos doentes, evidenciando as práticas desumanas e cruéis associadas à escravidão.

Em 1889, um ano após a abolição oficial da escravidão com a assinatura da Lei Áurea, um caso judicial destaca uma mudança gradual nas perspectivas sociais. Um pedido para nomear um tutor para educar a filha de uma escrava liberta, feito por Antônio Gomes Xavier Moreira em 8 de julho de 1889, sugere um crescente reconhecimento da importância da educação para os descendentes de escravos, marcando potencialmente o início de uma revolução social nesse aspecto.

Comemorações do sesquicentenário

Neste 1º de maio de 2024, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) chega aos 150 anos com o mérito de ser um tribunal Ouro, selo conquistado no Prêmio de Qualidade do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que avalia políticas judiciárias, eficiência, gestão e organização de dados. A data é um marco importante, pois ressalta a longevidade da instituição que promove a justiça e defende os direitos dos cidadãos mato-grossenses.

Em comemoração, o TJMT está realizando uma série de atividades especiais coordenadas pela Comissão de Gestão de Memória do Poder Judiciário. Além das reformas no Espaço Memória e da criação de uma logomarca comemorativa, o Tribunal preparou um livro histórico que destaca os momentos mais significativos de sua trajetória de um século e meio.

Também aconteceu, no último dia 25, uma entrega de medalhas do sesquicentenário e do livro físico às autoridades e membros da Corte, descerramento da placa alusiva aos 150 anos, pronunciamentos e hinos do Brasil, de Mato Grosso e do Poder Judiciário. O evento foi organizado pela Comissão de Gestão de Memória do Poder Judiciário, composta pelas juízas Viviane Brito Rebello e Edleuza Zorgetti e pelas servidoras Rejane Pinheiro Andrade e Bruna Penachioni.

Comissão de Gestão de Memória do Poder Judiciário coordena as celebrações do sesquicentenário, preservando a história institucional (Foto: Reprodução)

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